SUGESTÃO DA SEMANA

Comentário de um especialista convidado a um artigo científico publicado

  • Sugestão da Semana 2020

  • Sugestão da Semana 2021

  • Sugestão da Semana 2022

  • Sugestão da Semana 2023

Por Ana Luisa Areia | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia do Serviço de Obstetrícia – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra // Universidade de Coimbra • Faculdade de Medicina  

 

Este estudo teve como objetivo comparar o modo como a aspirina de baixa dosagem (LDA) beneficia as mulheres nulíparas com e sem fatores de risco adicionais de pré-eclâmpsia em termos de prevenção do parto pré-termo (PPT) e distúrbios hipertensivos da gravidez (DHG).

Esta foi uma análise secundária do ASPIRIN trial que foi um estudo de referência que demonstrou uma redução dos riscos de parto prematuro e de perturbações hipertensivas da gravidez em todas as mulheres do estudo que tinham pelo menos um fator de risco moderado de pré-eclâmpsia (nuliparidade) com a toma de LDA.

Ao contrário das actuais directrizes da US Preventative Service Task Force, que recomendam LDA para ≥2 factores de risco moderado, as mulheres deste estudo foram randomizadas para receber aspirina em dose baixa, independentemente da presença ou ausência de um fator de risco adicional.

Das 11.558 mulheres nulíparas incluídas, 66,8% não apresentavam fatores de risco adicionais. A LDA reduziu de forma semelhante o risco de PPT < 37 semanas em mulheres com e sem fatores de risco adicionais (risco relativo: 0,75vs0,85; P=.35). Além disso, a LDA reduziu significativamente os riscos de PPT < 28 semanas, de distúrbios hipertensivos da gravidez e a mortalidade perinatal em mulheres com e sem fatores de risco adicionais. Mais, a redução do risco de PPT <34 semanas foi significativamente maior em mulheres sem fatores de risco adicionais do que naquelas com um fator de risco adicional (risco relativo: 0,69vs1,04; P=,04).

A capacidade da aspirina em baixas doses para prevenir o parto prematuro, os distúrbios hipertensivos da gravidez e a mortalidade perinatal foi semelhante em mulheres com e sem fatores de risco adicionais. Assim, as sociedades profissionais devem considerar a recomendação LDA a todas as mulheres nulíparas.

Por Nuno Clode |  Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Torres Vedras

 

A hemorragia pós-parto (HPP) é sempre algo que está no espirito de quem se dedica à pratica obstétrica. A escalada progressiva de atitudes é a resposta habitual quando nos deparamos com esta entidade clinica. E perante uma HPP que persiste após medidas profiláticas, exclusão de restos placentários e presença de um canal de parto integro, o passo seguinte passa por resolver uma muito provável atonia uterina. É neste momento que se põem a opção de utilizar os meios mecânicos para a resolução da HPP. O artigo hoje proposto na Sugestão da Semana revê a evidência sobre a eficácia e segurança do balão intrauterino (que promove um tamponamento do útero) e o dos novos sistemas que promovem o vácuo intrauterino (com consequente colapso do órgão) no controlo da HPP. Estes últimos, se bem que apresentem resultados promissores, necessitam de estudos randomizados e com maiores amostras.

Por Inês Nunes |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Unidade Local de Saúde de Gaia e Espinho; Professora Auxiliar Convidada da FMUP – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

Nos países de elevados recursos, os desfechos perinatais adversos durante o trabalho de parto, são eventos raros em fetos de termo e sem malformações associadas, continuando, no entanto, a ser uma das principais causas de litígio médico-legal. A utilização de terminologia precisa e inequívoca é fundamental para descrever situações associadas ao compromisso da oxigenação fetal intraparto para que se garanta uma comunicação apropriada entre profissionais de saúde e a transmissão de informação adequada aos pais. Esta declaração do EAPM (European Association of Perinatal Medicine) determina definições de consenso entre perinatologistas e enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica europeus sobre a terminologia mais adequada para descrever situações relacionadas com o compromisso da oxigenação fetal intraparto: suspeita de hipóxia fetal, acidemia neonatal grave, acidose metabólica neonatal e encefalopatia hipóxico-isquémica. Além disso, identifica termos imprecisos ou inespecíficos para esta situação e que, por isso, devem ser evitados pelos profissionais de saúde: bem-estar fetal, stress fetal, sofrimento fetal, estado fetal não tranquilizador e asfixia ao nascimento. Este documento é determinante para que possamos adotar, na nossa prática clínica, uma nomenclatura mais precisa e inequívoca quando nos deparamos com situações de hipóxia fetal intraparto, promovendo uma abordagem multidisciplinar mais correta e que evite situações de conflito interpares desnecessárias e que possam inclusivamente comprometer o desfecho neonatal.

Por Sofia Bessa Monteiro |  Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia/ Centro Hospitalar de S João

 

A prematuridade mantém-se como uma das principais causas de morbimortalidade perinatal. Nos casos de parto iminente em idades gestacionais muito precoces (abaixo das 27 semanas de gestação), o aconselhamento é crucial para decisões informadas e conscientes. Apesar dos avanços nos cuidados perinatais, os riscos de mortalidade, morbilidade neonatal e incapacidade a longo prazo continuam elevados, mantendo os desafios éticos associados às atitudes clínicas.

Os autores utilizaram o estudo populacional EPIPAGE-2 e avaliaram todas as crianças nascidas entre as 24 e 26 semanas, com cuidados perinatais activos (nascimento em hospitais terciários, corticoterapia para maturação pulmonar e manobras de reanimação neonatal) para estabelecer um modelo preditivo do desenvolvimento aos 5 anos destas crianças, com informações que pudessem ser obtidas facilmente durante o aconselhamento antenatal.

Foram avaliadas 557 crianças, com dados aos 5 anos em 70% desta população. Foi utilizado um modelo de regressão logística a incluir 3 variáveis (idade gestacional, sexo fetal e pequenos para a idade gestacional) para estimar as taxas de sobrevida sem alterações de neurodesenvolvimento (TSAND).

A taxa de sobrevida nesta população com cuidados perinatais activos foi elevada (72%). A TSAND aumentou com a idade gestacional (45% às 24 semanas, 56% às 25 semanas e 64% às 26 semanas) e os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional apresentaram TSAND cerca de 15 pontos percentuais abaixo dos restantes. A TSAND mais elevada (72%) foi a dos recém-nascidos do sexo feminino nascidos às 26 semanas, com tamanho adequado à idade gestacional.

Apesar de algumas limitações, a grande mais-valia deste trabalho foi a de criar um modelo com variáveis facilmente identificadas na prática clínica e que, de forma fidedigna, nos permite dirigir o aconselhamento sempre tão complexo na prematuridade extrema.

Por Susana Santo |  Assistente Hospital Graduada ULS Santa Maria // Professora auxiliar da FMUL

 

A vasa previa (VP) é uma condição em que vasos fetais passam a menos de 2cm do orifício interno (OI) do colo. Tem uma incidência de 2000-5000 partos. Estão descritos três tipos: tipo I, II e III. A VP tipo III (VPIII) é uma forma muito rara, não associada necessariamente a outras alterações placentárias ou vasculares, na qual se constata a passagem de vasos aberrantes da placenta pela membrana amniótica sobre OI, muitas vezes com trajecto em “boomerang”. – o seu diagnóstico pré-natal é por isso desafiante.

Esta revisão sistemática procurou reunir a evidência científica sobre o diagnóstico e desfecho da VPIII. Foram reunidos 18 casos todos diagnosticados por ecografia transvaginal. 25% das gestações foram obtidas por técnicas de reprodução medicamente assistida. Em apenas 3 casos foi registada sintomatologia pré-natal (dois casos de hemorragia vaginal e um caso de parto pré-termo). Em 83% dos casos co-existia pelo menos uma alteração placentária. Em todos os casos com diagnóstico pré-natal foi realizada cesariana prévia à rotura de membranas com mediana de 35s (intervalo 32-38s); houve 4 cesarianas emergentes – 2 em casos com diagnóstico pré-natal e 2 com diagnóstico pós-natal. O índice Apgar ≤ 7 foi registado em 5/13 casos com diagnóstico pré-natal e 1/1 casos com diagnóstico pós-natal. 40% dos casos apresentaram anemia ligeira (Hb<14g/dL) em provável relação com hemorragia intraparto.

Existem poucos casos de VPIII relatados na literatura mas o diagnóstico pré-natal é fundamental para evitar a ocorrência maus desfechos neonatais. Uma vez que as manifestações e os factores de risco da VPIII são inespecíficos é fundamental ter presente que uma massa placentária única e uma inserção do cordão umbilical normal não permitem a exclusão de VP. Os autores defendem que grávidas com alterações placentárias e com gestações obtidas por reprodução medicamente assistida devem realizar ecografia com sonda transvaginal para exclusão de VP.

Por Ana Catarina Massa |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Descobertas – Lisboa

 

A gravidez normal associa-se a alterações cardiovasculares e hemodinâmicas maternas significativas necessárias para o adequado crescimento fetal.
A obesidade, fora da gravidez, tem impacto no sistema cardiovascular: o aumento do débito cardíaco (dependente do grau de obesidade) é responsável por uma sobrecarga que leva a dilatação e subsequente hipertrofia do ventrículo esquerdo, que resulta em disfunção cardíaca sistólica e diastólica. A obesidade na gravidez é um fator de risco major para o desenvolvimento de doenças hipertensivas da gravidez.

Este estudo prospectivo longitudinal pretendeu estabelecer um perfil cardiovascular materno em grávidas obesas através da utilização de ecocardiografia bidimensional. Foi calculada a pressão arterial média e diversos parâmetros ecocardiográficos em 3 momentos chave da gravidez: 12-14 semanas, 20-24 semanas e 30-32 semanas. Foram comparadas 59 grávidas com obesidade e 14 grávidas sem obesidade.

Os resultados do estudo mostraram que grávidas obesas têm elevação da pressão arterial, do volume sistólico e do débito cardíaco, redução da resistência vascular periférica e hipertrofia ventricular esquerda associando-se a uma circulação hiperdinâmica mais marcada do que em grávidas não obesas.
Os autores demonstraram a existência de uma adaptação cardiovascular materna em grávidas com obesidade caracterizando-se por um perfil hemodinâmico diferente, uma geometria cardíaca alterada e uma disfunção diastólica. Estes resultados apoiam a maior susceptibilidade destas mulheres em desenvolver doenças hipertensivas da gravidez.

Apesar da reduzida dimensão da amostra do estudo, os achados ecocardiográficos em grávidas obesas devem alertar os profissionais de saúde para o perfil de elevado risco cardiovascular justificando um seguimento a longo prazo.

Por Mónica Centeno |  Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia / Faculdade de Medicina de Lisboa

 

A insuficiência placentária é responsável por grande parte da morbilidade e mortalidade perinatais. A deteção de fetos leves para a idade gestacional (LIG) mostrou-se capaz de reduzir o número de desfechos perinatais adversos. No entanto, cerca de dois terços da mortalidade perinatal e das complicações neonatais graves secundárias a hipóxia fetal no termo ocorrem em fetos com crescimento acima do percentil 10.

O objetivo deste estudo foi avaliar se a adição do índice cérebro-placentário (ICP) à avaliação do peso fetal perto do termo reduz a mortalidade perinatal e a morbilidade neonatal, comparativamente à avaliação isolada do peso fetal.

Trata-se de um estudo controlado e multicêntrico (9492 grávidas de baixo risco submetidas a ecografia entre as 36 e as 37+6d semanas) em que as gravidas foram aleatorizadas em 2 grupos: um (GR) em que o ICP era conhecido pelo clínico e se <perc. 5 o parto era planeado após 37 semanas e outro (GO) em grávidas e o clínico desconheciam o ICP. Em ambos os grupos, sempre que o crescimento fetal fosse <perc 10 programava-se o parto.

Os resultados mostraram que a mortalidade perinatal não foi significativamente diferente nos 2 grupos (0,3% em ambos); no entanto, verificou-se uma diminuição de cerca de 42% na morbilidade neonatal grave no GR (GR: 0,4% e GO: 0,7%, OR 0.58 [IC 95% 0.40-0.83]). A morbilidade neurológica grave não foi significativamente diferente (GR: 0.2% e GO: 0.3%) mas houve diferença com significado estatístico no que respeita à morbilidade neonatal não-neurológica grave (GR: 0,2% e GO: 0.5%, OR:0.58  [IC 95% 0.39-0.87]).

Este estudo permite concluir que a associação do ICP à avaliação do crescimento fetal realizada entre as 36-37 semanas em gestações de baixo risco não resulta numa diminuição da mortalidade perinatal mas diminui a ocorrência de desfechos neonatais adversos, comparativamente à avaliação isolada do crescimento fetal.

Por Juliana Rocha |  Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia da Unidade Local de Saúde do Tâmega e Sousa, Penafiel

 

A investigação da causa subjacente à morte fetal e a avaliação minuciosa de fetos após uma interrupção médica da gravidez por malformações são essenciais em diagnóstico pré-natal. Possibilitam a avaliação do risco de recorrência e aconselhamento ao casal, assim como auxiliam no processo do luto parental. Até à data, a autópsia convencional é o exame de eleição na avaliação post-mortem. No entanto, as taxas de aceitação rondam os 40% e exige a especialização em fetopatologia.

Este estudo retrospetivo incluiu um total de 50 fetos, ao longo de 6 anos, e teve como objetivo principal avaliar se a autópsia convencional é ainda mandatória ao comparar os achados desta com os detetados pela ecografia antenatal (EA) e/ou ressonância magnética post-mortem (RMPM). As anomalias detetadas foram graduadas como major (2 pontos) e minor (1 ponto). O score total de anomalias diagnosticadas para a AC, EA e RMPM foi respetivamente de 53, 37 e 46. A sensibilidade e a especificidade para a combinação da EA + RMPM foi de 90% e 94%, respetivamente. Duas das malformações cardíacas foram apenas detetadas pela AC.

Os resultados demonstram que a combinação dos achados da ecografia antenal e da RMPM com a autópsia dirigida do feto, nomeadamente à área cardíaca, poderão substituir, no futuro, a autópsia convencional.

Apesar das limitações deste estudo, como a discrepância temporal entre a realização da ecografia antenatal e a RMPM, assim como a variabilidade na especialização técnica entre os profissionais que realizaram a ecografia versus RM, os autores afirmam que esta avaliação conjunta permite uma abordagem diagnóstica global do feto, embora a autópsia cardíaca ainda permaneça mandatória.

Por Ana Paula Machado |  Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia/Obstetrícia no Centro Hospitalar Universitário São João. Assistente Convidada de Obstetrícia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 

O sangramento uterino idiopático do segundo trimestre, apesar de pouco frequente, está associado à evolução para parto pré-termo, situação que se mantem como um grave problema de saúde pública.

Estudos descrevem uma associação entre o sangramento no segundo trimestre e corioamnionite aguda, presença de microorganismos no líquido amniótico (particularmente Ureaplasma spp) e inflamação intra-amniótica. Foi documentada a presença de inflamação intra-amniótica estéril em partos pré-termo com membranas intactas, roturas prematuras de membranas, colos curtos e insuficiência cervical com prolapso de membranas.

Este estudo pretendeu determinar se a ministração de antibióticos reduzia a magnitude da inflamação intra-amniótica, em pacientes com sangramento idiopático do segundo trimestre, avaliando a concentração de interleucina-6 no líquido amniótico antes e após 7 dias de terapêutica. Um segundo objetivo foi determinar se a combinação de ceftriaxone, metronidazol e claritromicina alterava a carga microbiana de Ureaplasma no líquido amniótico. Foi detetada inflamação estéril em 69% dos casos de sangramento e a presença de microorganismos em 36%. O tratamento antibiótico reduziu significativamente a concentração de interleucina-6 no líquido amniótico e a carga microbiana de Ureaplasma.

Pontos positivos: avaliação dos marcadores inflamatórios/infeciosos emparelhados antes e após antibioterapia. Distinção entre inflamação com microorganismos e inflamação estéril. Limitações: o pequeno número de grávidas avaliado.

Não existem recomendações claras quanto à orientação das situações de inflamação intra-amniótica. No entanto, a sua alta prevalência levanta a questão de se esta complicação não deveria ter uma abordagem personalizada, com base na presença ou ausência de marcadores inflamatórios no líquido amniótico.

Este estudo vem demonstrar o potencial efeito da antibioterapia na redução dos marcadores inflamatórios e da carga microbiana e apresenta resultados que parecem ser promissores na terapêutica de controlo da inflamação e infeção intra-amniótica; no entanto é necessário que sejam interpretados cautelosamente e validados em estudos subsequentes.

Por Cecília Marques |  Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia – Hospital de Braga, EPE

 

A gravidez em cicatriz de cesariana diz respeito à implantação do saco gestacional no segmento inferior uterino, nomeadamente ao nível do miométrio e tecido fibroso da cicatriz.
É uma situação que acarreta risco de hemorragia grave, rotura uterina, acretismo placentário, choque hemorrágico, histerectomia e até mesmo de morte materna.

A conduta destas situações não é uniforme. Naquelas em que há opção pela terminação de gravidez, múltiplos procedimentos, quer médicos quer cirúrgicos, têm sido descritos.
O uso do balão como tratamento primário tem por objetivo provocar o colapso do saco gestacional e, consequentemente, parar os batimentos cardíacos.
A sua colocação e insuflação é realizada em consultório, sob controlo ecográfico. Após 1h da colocação é realizada avaliação ecográfica por via transabdominal para verificação do saco gestacional, atividade cardíaca e hemorragia. Na ausência hemorragia, a paciente regressa para remoção e reavaliação dentro de 2 a 4 dias.

Entre as vantagens deste método encontram-se o facto de ser pouco dispendioso, fácil de executar, minimamente invasivo, sem necessidade de internamento e com taxa de complicações muito baixa. Por sua vez, obriga à avaliação seriada dos níveis de β-hCG, analiticamente, bem como do tamanho do saco gestacional e da vascularização, por ecografia.

O autor utilizou, inicialmente, a sonda de Folley tendo publicado uma série de 18 casos. Por expulsão do balão em dois deles, passou a usar o balão duplo (balão de Cook®). Em 46 situações tratadas com este último, uma necessitou de curetagem aspirativa, duas de histerectomia por hemorragia e uma de embolização das artérias uterinas por enhanced myometrial vascularity.

Por último, é importante relembrar o registo destas gravidezes no CSPregistry de forma a reunir o maior número de casos e identificar o tratamento mais adequado.

Por Joana Barros |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital da Luz – Lisboa

 

A avaliação ecográfica é fundamental na abordagem das gestações complicadas por restrição de crescimento fetal (RCF). Contudo, não existe atualmente um verdadeiro consenso sobre como distinguir o crescimento fetal normal do patológico, coexistindo várias fórmulas para cálculo da estimativa do peso fetal, bem como várias tabelas de referência para cálculo do percentil de acordo com a idade gestacional e, ainda, vários protocolos para abordagem da RCF.

Este estudo teve como objetivo comparar a associação entre RCF e desfechos perinatais adversos usando para isso várias tabelas de referência, nomeadamente a Intergrowth-21, Hadlock, Fetal Medicine Foundation (FMF) e a tabela sueca. Para a definição de RCF foram utilizados os critérios da International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology (ISUOG), Society of Maternal and Fetal Medicine (SMFM) e da Suécia. Foi um estudo retrospetivo conduzido no Hospital St George, em Londres, que incluiu 17261 gestações, das quais 3% apresentaram pelo menos um desfecho adverso.

Os critérios da ISUOG e suecos apresentaram maior especificidade e valor preditivo positivo na deteção de desfechos adversos, independentemente da tabela de peso fetal utilizada. A sensibilidade foi uniformemente baixa, embora ligeiramente mais elevada para a definição da SMFM. A regressão logística multivariada mostrou que o índice de pulsatilidade médio das artérias uterinas e a estimativa de peso inferior ao percentil 5 foram os únicos parâmetros que se associaram a desfechos perinatais adversos, independentemente das definições ou tabelas utilizadas.

Este estudo vem reforçar a possibilidade de integração de vários parâmetros num algoritmo capaz de identificar todos os casos de RCF com risco de desfechos adversos, melhorando desta forma a nossa atuação clínica.

Por Susana Santo |  Assistente Graduada de Obstetrícia e Ginecologia da ULSSM/ Professora Auxiliar da FMUL

 

A ISUOG publicou a norma de orientação da ecografia do 3º trimestre, completando assim as orientações sobre os principais tipos de exames ecográficos realizados durante a gravidez.
A ecografia do 3º trimestre compreende a realização de biometrias fetais, a avaliação de malformações, a determinação da apresentação fetal, da localização da placenta, do volume de líquido amniótico bem como a avaliação do Doppler fetal e das artérias uterinas. Excecionalmente pode ser utilizada para a determinação da idade gestacional e na exclusão de gravidez múltipla.

A ecografia no 3º trimestre constituiu uma oportunidade de diagnóstico de malformações fetais que não tenham sido detetadas no 2º trimestre ou de manifestação mais tardia na gestação. Permite também avaliação de situações como a placenta prévia, acretismo placentário e vasa previa, cujo diagnóstico pré-natal é determinante no desfecho da gestação. Os autores sugerem como de boa prática clínica considerar que todas as situações de placenta previa e cesariana anterior, sejam consideradas como potenciais casos de acretismo placentário e orientados em centros com experiência em cirurgia de mulheres com placenta anormalmente aderente.

A decisão da idade gestacional ideal para a realização da ecografia do 3º trimestre (entre as 32-36 semanas) depende das características individuais da grávida, do feto, do risco da gravidez, das condições locais e da indicação. Se o objetivo principal é a avaliação do crescimento deve ser realizada às 35-36 semanas; se o intuito é a avaliação de morfologia então deve ser realizado às 31-32 semanas.

Apesar da norma não dar orientações sobre se a ecografia do 3º trimestre dever ser oferecida de forma universal a todas as grávidas, este artigo constitui um importante documento na orientação da realização da ecografia do 3º trimestre, que está muito longe ser uma mera avaliação do crescimento fetal e cuja importância não deve ser menosprezada!

Por Andreia Fonseca |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia / Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, ULS Almada-Seixal

 

A maturação cervical aumenta a probabilidade do parto vaginal e diminui a duração da indução do trabalho de parto, estimando-se que até metade das grávidas reúnam condições para a realizar em ambulatório. Esta abordagem poderá contribuir para uma maior satisfação materna e para minimizar a pressão sobre os cuidados de saúde, reduzindo o tempo de internamento.

Esta meta-análise avaliou a eficácia e a segurança da maturação cervical com balão transcervical em ambu-latório no termo. Esta intervenção foi comparada com a maturação cervical em internamento [balão ou prostaglandina E2 (PGE2]. Foram incluídos 29 ensaios aleatorizados e controlados, com um total de 6004 participantes (712 com balão em ambulatório, 2722 com balão em internamento e 2570 com PGE2).

Não houve diferenças na taxa de cesarianas entre as três intervenções. A utilização do balão transcervical em qualquer dos regimes associou-se à necessidade de aceleração ocitócica do trabalho de parto (OR 3,21; IC95% 2,11-4,94 e OR 2,85; IC95% 1,31-6,31). A maturação cervical com balão em ambulatório condicionou uma redução significativa na duração do internamento (diferença média -8,58; IC95% -17,02 a -1,10). Não foram identificadas diferenças nos restantes desfechos, nomeadamente eventos adversos maternos ou neonatais.

A abrangência dos estudos incluídos nesta meta-análise é o seu principal ponto forte. No entanto, a hete-rogeneidade dos mesmos, em particular no que se refere ao tipo de balões utilizados, volume instilado e formulações e doses de PGE2 administradas, comprometem a sua qualidade.

Esta meta-análise apoia a evidência científica já disponível, reforçando que a maturação cervical com balão transcervical em ambulatório deve ser considerada nas gestações de termo e sem risco acrescido.

Por Sara Vargas |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia da ULSSM

 

A administração de corticosteroides a grávidas com risco de parto pré-termo iminente com o intuito de reduzir a mortalidade/morbilidade neonatal decorrente da prematuridade constitui uma prática habitual e recomendada em obstetrícia. No entanto, a dose a administrar e as suas consequências futuras foram pouco estudadas e permanecem uma preocupação.

O estudo apresentado visou a avaliação do impacto da redução para metade da dose administrada de betametasona (1 versus 2 administrações de 12 mg com 24 horas de intervalo) na sobrevivência sem morbilidade grave antes das 32 semanas. Apesar de constituir uma análise post-hoc do estudo BETADOSE, constatou-se a não inferioridade da menor dose na redução da morbilidade grave até à data de alta (hemorragia intraventricular de grau 3/4, leucomalácia periventricular quística, enterocolite necrotizante de estadio>1, retinopatia com necessidade de terapêutica médica/laser, displasia broncopulmonar moderada/grave).

Assim, esta redução parece ser segura apesar de continuar a ser necessário avaliar os desfechos a longo prazo, principalmente no que concerne ao neurodesenvolvimento.

Por Iolanda Ferreira |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra / Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

 

Este estudo de coorte retrospetivo investigou o impacto da realização de cesariana em dilatação completa na primeira gravidez a termo sobre o risco de parto pré-termo (PPT) na gravidez subsequente, ajustando para potenciais fatores confusionais como idade materna, diabetes mellitus, IMC, pré-eclâmpsia, status socioeconómico e intervalo inter-gestacional. Foram incluídas 30 253 mulheres, das quais 900 tinham história de cesariana em dilatação completa.

Verificou-se um risco 3 vezes superior (OR ajustado: 3,31; IC 95%: 2,17-5,05) de PPT espontâneo para mulheres com cesariana anterior em dilatação completa quando comparado com os restantes tipos de primeiro parto. O risco de PPT espontâneo foi 5 vezes superior (OR ajustado: 5,37; IC 95%: 3,40-8,48) em mulheres com história de cesariana com dilatação completa vs mulheres com parto vaginal anterior. Não se encontrou associação entre primeiro parto instrumentado (fórceps não rotacional, fórceps Kielland ou ventosa) e risco aumentado de PPT espontâneo. Das mulheres com história de cesariana em dilatação completa no primeiro parto, 48% tiveram novo parto por cesariana e em 3,7% a cesariana ocorreu novamente em dilatação completa.

Os pontos fortes deste estudo são a utilização de uma base de dados extensa e de elevada qualidade, e a avaliação dos desfechos considerando todos os tipos de parto após cesariana em dilatação completa, ajustando para fatores confusionais. As suas fraquezas passam por se ter incluído apenas mulheres com cesariana em dilatação completa na primeira gestação, sem considerar a indicação da cesariana nesta análise, e no facto de que a amostra reflete cuidados de saúde locais, não permitindo a generalização para outras populações.

Em conclusão, este estudo destaca o aumento do risco de PPT espontâneo após cesariana em dilatação completa, ajustando para potenciais fatores confusionais e comparando-o com outros tipos de parto, incluindo partos com fórceps rotacionais e não rotacionais e partos pélvicos vaginais.

Por Bárbara Carvalho Ribeiro |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga

 

A gonadotrofina coriónica humana (hCG) é essencial no desenvolvimento fetal precoce e circulação materno-fetal. O seu papel, juntamente com outros biomarcadores, está bem estabelecido na identificação do risco de anomalias congénitas e cromossómicas. Devido ao seu papel na implantação, o uso da hCG para avaliar a viabilidade da gravidez e possibilidade de gravidez ectópica é prática corrente, no entanto, a sua utilidade como marcador de outras funções placentárias é ainda incerto.

O objetivo desta revisão sistemática e meta-análise foi o de avaliar a associação entre os níveis de hCG no primeiro e segundo trimestres e os desfechos adversos da gravidez relacionados com a função placentária. Foram incluídos 185 estudos (1.648.627 gravidezes) de 30 países, entre 1991 e 2021. Os desfechos considerados foram o abortamento, morte fetal, doença hipertensiva, restrição de crescimento fetal, descolamento de placenta normalmente inserida, diabetes gestacional, síndrome HELLP e asfixia perinatal.

Como achados principais, níveis anormais de hCG no primeiro e/ou segundo trimestre estão associados a morte fetal e pré-eclâmpsia. Como pontos fortes deste estudo, destaca-se o elevado número de artigos incluídos na revisão, os critérios de exclusão utilizados, a utilização do sistema de evidência GRADE e da escala de Newcastle-Ottawa para avaliar o risco de viés. Como pontos fracos, o facto de todos os artigos serem observacionais (apesar da inclusão de estudos prospectivos e do sistema GRADE) e a exclusão de artigos não escritos em inglês.

Será importante a realização futura de estudos com o doseamento da hCG hiperglicosilada (h hCG) pois esta é a isoforma dominante de hCG aquando da implantação (90%) podendo ter um papel mais relevante na placentação dos que as outras isoformas, que são doseadas atualmente pelos métodos existentes.

Esta revisão contribui para uma melhor compreensão do papel da hCG nos desfechos adversos da gravidez, nomeadamente relacionados com a disfunção placentária.

Por Luisa Martins |  Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Descobertas

 

As orientações para alimentação pré-operatória permitem ingestão de alimentos sólidos até 6 horas e líquidos claros até 2 horas antes da anestesia, no entanto em muitas unidades o tempo de jejum é frequentemente superior a 8 horas.

Este artigo apresenta um estudo que pretende avaliar complicações associadas à ingestão de líquidos em regime de livre acesso até à entrada no bloco operatório em mulheres submetidas a cesariana eletiva sob raquianestesia.

Trata-se de um ensaio clínico com 504 gravidas, randomizadas em dois grupos de 252: o grupo intervenção com acesso livre a água no pré-operatório até à entrada no bloco operatório e o grupo controlo que ficou em jejum desde a meia-noite. Os desfechos primários foram vômitos peri-operatórios e satisfação materna.

Vómitos até 6h após a cirurgia surgiram em 3,6% no grupo intervenção e em 9,5% no grupo controle (P=0,007). Relativamente à satisfação materna (escala numérica visual de 0–10) foi de 9 no grupo intervenção e de 5 no grupo controle (P<0,001).

Outros parâmetros avaliados, também com menor incidência no grupo intervenção foram: sensação de sede antes da entrada no bloco (P<0,001), glicémia capilar (P=0,048), necessidade em iniciar hidratação intravenosa pré-operatória (P=0,005), cetonúria (P<0,001) e número de doses de vasopressores necessárias para corrigir a hipotensão (P=0,009). Os vómitos após 6h da cirurgia até à alta hospitalar, a recuperação pós-cesariana e os resultados neonatais foram sobreponíveis nos dois grupos.

Como conclusão, a ingestão livre de água nos casos de cesariana eletiva com raquianestesia, reduziu complicações como os vómitos peri-operatórios, foi favorecido pelas mulheres e houve melhoria de vários resultados secundários pré e intraoperatórios.

Achei este estudo interessante por avaliar o tempo de jejum pré-cesariana que parece excessivo na nossa prática diária. Apesar de ter sido realizado num único centro e com uma amostra pequena, é um ensaio clínico randomizado bem desenhado.

Por Carolina Vaz de Macedo |  Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia no Hospital Garcia de Orta – ULS Almada-Seixal; Assistente Convidada Genética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

Este estudo prende-se com uma medida em que a Holanda foi pioneira: a eliminação do rastreio combinado do primeiro trimestre em detrimento da pesquisa de ADN fetal em sangue materno, com substituição da ecografia das 11-13 semanas (11-13S) por uma mais precoce para datação da gravidez e rastreio morfológico populacional exclusivamente na ecografia do segundo trimestre. Sendo a ecografia das 11-13S um momento-chave na nossa realidade não só para rastreio de aneuploidias como também para avaliação morfológica de determinadas estruturas, chamou-me a atenção o objetivo de investigar o eventual impacto desta alteração de política na deteção precoce de alterações morfológicas fetais.

Trata-se de um estudo de coorte retrospetivo de 705 fetos com diagnóstico pré-natal de alterações morfológicas potencialmente diagnosticáveis no primeiro trimestre, com comparação do período de antes versus depois da alteração da política de rastreio. Certas alterações morfológicas – gastrosquisis e cardiopatias graves, como defeito do septo auriculoventricular e síndrome do coração esquerdo hipoplásico – tiveram uma menor taxa de deteção no primeiro trimestre após a abolição da ecografia das 11-13S, quer globalmente quer após exclusão dos casos com alterações cromossómicas.

Apesar de a comparação entre dois períodos temporais distintos poder introduzir um viés importante na análise, não é expectável que a capacidade técnica tenha diminuído ao longo do tempo, pelo que será razoável assumir que o atraso no diagnóstico esteja efetivamente associado à ausência da ecografia das 11-13S. Para a nossa prática clínica importará salientar que certas mais-valias dos rastreios populacionais poderão não ser devidamente ponderadas em políticas de saúde pública “cegas” que apenas olhem ao custo-benefício do seu objetivo principal. Num momento em que cada vez mais grávidas opta pela colheita precoce para pesquisa de ADN fetal e traz o resultado às 11-13S, cabe-nos a nós esclarecer sobre o valor acrescentado desta ecografia para lá do rastreio de aneuploidias.

Por Rita Mendes Silva |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Beatriz Ângelo; Assistente convidada da Faculdade de Medicina de Lisboa

 

Após a colocação de uma algália de Foley para maturação cervical, é comum a fixação da algália à coxa da grávida, permitindo que exista tensão contínua do balão sobre o colo, com a expectativa de que isso potencie o efeito desta técnica.

Este trabalho analisou os benefícios da tração do balão através de um estudo prospetivo e aleatorizado num hospital americano. Foram incluídas 279 grávidas de termo, nulíparas, colo desfavorável (<3cm dilatação e apagamento <60%), bolsa amniótica intacta. Excluíram-se situações gemelares, com RCF, pre-eclâmpsia grave e traçados de CTG prévio suspeitos. As características basais eram idênticas entre grupos.

No grupo “com tração”, o balão era insuflado com 60mL e o tubo fixado de forma tensa com adesivo à coxa da grávida, sendo periodicamente verificado e reaplicado se necessário para se mantivesse sob tensão. No grupo “sem tração”, o tubo ficava solto. Às 12h era retirado o balão e, em função das características do colo, poderia colocar-se outro balão com técnica similar ou utilizar métodos alternativos de indução. A conduta clínica guiou-se sobretudo por protocolos institucionais.

O tempo até ao parto (objetivo primário) foi similar, sendo de 1596 [430-3438] minutos no grupo “com tração” vs. 1621[488-3323] min (p=0,08). Não houve também diferença demonstrada entre os grupos em múltiplas variáveis: utilização de prostaglandinas/ocitocina concomitante com balão, tempo mediano para expulsão [do balão,] dilatação e índice de Bishop na altura da expulsão, variação do índice de Bishop, utilização de segundo balão de Foley, via de parto, morbilidade materna ou neonatal.Os resultados deste trabalho estão alinhados com as conclusões de uma meta-análise (Schoen et al, AJOG 2022), que é citada no texto.

Sendo a tração intensa da algália um ato que pode trazer desconforto à grávida, a sua realização deve basear-se em evidência clínica, pelo que achei este estudo interessante para reflexão.

Por Sara Tavares |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia / Hospital da Luz – Clínica da Amadora

 

Recentemente foi recomendada pelo Centers for Disease Control and Prevention’s (CDC) a vacinação durante a gravidez contra a infeção pelo vírus sincicial respiratório.

Este artigo suscita interesse ao fazer uma avaliação crítica da evidência científica existente sobre este tipo de vacinação.

Os autores realçam a importância de uma prevenção adequada face a esta infeção que é uma causa muito significativa de morbilidade e mortalidade particularmente nos primeiros meses de vida, mas também levantam questões muito pertinentes sobre a evidência atual.
A reflexão incide sobre diferentes aspetos tanto de natureza puramente clínica quanto de aplicação prática.

Os anticorpos maternos transmitidos por via transplacentar têm uma semi-vida de 28 a 40 dias após o parto o que é relativamente curto, não havendo também evidência sobre uma eventual influência na semi-vida dos anticorpos produzidos após vacinação contra a tosse convulsa.

Outra questão levantada pelos autores prende-se com a possível relação com parto pré-termo pois nenhum dos estudos apresentados teve poder amostral suficiente. Este facto, aliado ao facto de que as grávidas estudadas terem sido selecionadas de forma a incluir apenas grávidas de baixo risco, torna a vigilância após a introdução da vacina no mercado absolutamente fundamental. Não existem dados sobre o efeito da vacinação em gravidez de risco nomeadamente para parto pré-termo.
Também os efeitos a longo prazo dizem respeito a um período temporal de apenas 1 a 2 anos pelo que os dados sobre estes efeitos são limitados.

Os autores relembram ainda a renitência que existe face à vacinação na gravidez e o potencial efeito da introdução de uma vacina adicional num contexto em que a aceitabilidade das grávidas face às vacinas já existentes nem sempre é a esperada.

O artigo visa alertar para a importância de colmatar as lacunas existentes sem minimizar a relevância da prevenção desta doença.

Por Maria Pulido Valente |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Serviço de Obstetrícia – Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Medicina da Reprodução – ULS Santa Maria

 

Durante o trabalho de parto, a cardiotocografia desempenha um papel imprescindível na avaliação do bem estar fetal, permitindo identificar os fetos com risco de hipóxia. Porém durante o 2º estadio do trabalho de parto, devido aos esforços expulsivos e à descida da apresentação fetal, pode ser difícil uma aquisição precisa e fidedigna da frequência cardíaca fetal, sendo muita vezes captada incorrectamente a frequência cardíaca materna. Actualmente é possível a monotorização materna em simultâneo quer através do tocadinamómetro quer por oximetria de pulso, permitindo uma melhor interpretação do traçado fetal e sem necessidade de transdutores adicionais.

Este estudo retrospectivo, realizado na Finlândia entre 2005 e 2023, incluiu 213 798 partos eutócicos de termo e pretendeu comparar os diferentes métodos de avaliação do bem estar fetal intraparto (cardiotocografia isolada, cardiotocografia associado a registo de frequência cardíaca materna e monitorização fetal interna) e a sua associação a desfechos adversos fetais e neonatais.

Os resultados mostraram que a monitorização cardiotocográfica contínua isolada se associava a um maior risco de encefalopatia neonatal (OR, 1,70; 95% CI, 1,30-2,21), de pH <7.00 na artéria umbilical (OR, 2,16; 95% CI,1.84-2.53), défice de bases < -12.0 mmol/L (OR, 2,37; 95% CI, 2,00 – 2,81) e de IA 5’<7 (OR,1,22; 95% CI, 1,13-1,32) quando comparada com mulheres com cardiotocografia associado a registo de frequência cardíaca materna ou monitorização fetal interna. Os resultados foram sobreponíveis mesmo após ajuste para factores de risco maternos, obstétricos ou fetais.

Em conclusão, este estudo reforça a monitorização simultânea da frequência cardíaca materna durante o trabalho de parto pois facilita a interpretação correta dos traçados cardiotocográficos, devendo ser amplamente utilizada.

Por Mariana Torgal |  Assistente Hospital de Ginecologia e Obstetrícia – Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas

 

A administração pré-natal de corticoides faz parte de todos os protocolos de atuação na ameaça de parto até às 34 semanas. Esta atitude tem por base a consistência dos estudos em demonstrar redução da síndroma de dificuldade respiratória (SDR) e mortalidade nesta população de recém-nascidos (RN).

Após as 34 semanas a utilização de corticoides permanece controversa pela eficácia não comprovada e pela eventual associação a efeitos adversos maternos e neonatais.

Com base no estudo ALPS a ACOG recomenda uma dose única de betametasona nas grávidas com risco de parto entre as 34 e as 36 semanas e 6 dias. No entanto outros estudos não demonstraram benefício nesta terapêutica e nalguns, com follow-up longo, a exposição aos corticoides foi associada a pior desenvolvimento neuro-cognitivo; foi também descrita associação com aumento da mortalidade infeciosa materna.

O objetivo primário deste estudo foi avaliar a eficácia em reduzir a SDR do RN, de uma dose única IM de betametasona entre as 34 e as 36+6 semanas.

Este estudo não encontrou diferença na redução do SDR (betametasona 4,9% vs placebo 4,8%). Também não foi demonstrada diferença nos desfechos secundários do RN (taquipneia transitória, enterocolite necrotizante, sepsis, hiperbilirrubinémia, hipoglicémia, morte fetal e neonatal) nem maternos (corioamnionite, hemorragia pós-parto, febre puerperal e aumento do tempo de hospitalização). Assim é sugerido que o uso de rotina de corticoides nesta idade gestacional pode ser inadequadamente justificado.

Os pontos fortes deste artigo são tratar-se de um estudo triplo-cego, randomizado e controlado com placebo com um bom tamanho de amostra (n=847). Os autores alertam para o facto de poder existir uma diferença na eficácia dos corticoides pré-natais em populações de países desenvolvidos ou relacionados com outras características populacionais. A meu ver o principal ponto fraco pode estar relacionado com este aspeto, tendo este estudo decorrido num único centro, na Índia.

Por Célia Soares |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia / Unidade Local de Saúde de Gaia e Espinho.

 

Na vigilância de gestações com restrição do crescimento fetal (RCF) é muitas vezes desafiador o balanço entre os riscos de um parto pré-termo (PPT) iatrogénico e o risco de morte fetal. As sociedades internacionais recomendam critérios de terminação da gravidez baseados em avaliações da circulação fetoplacentária (Doppler) não estando ainda contemplada a avaliação da função placentária.

Este estudo coorte prospectivo teve como objetivo avaliar a combinação de biomarcadores placentários (PlGF, sFlt-1/PlGF) com Doppler fetoplacentários (IPAU, IPAUt) como preditor de PPT em gestações complicadas por RCF.

Os resultados mostraram que no grupo da RCF um PlGF baixo ou rácio sFlt-1/PlGF elevado são fortes preditores de PPT. A combinação de PlGF < 100 ng/L, IPAU > perc95 e IPAUt > perc95 associou-se a maior risco de PPT com uma menor latência para o nascimento (50% das mulheres que tiveram parto em 1 semana tinham este trio de alterações).
A inclusão do PlGF na avaliação da RCF poderá ser uma estratégia útil para identificar mulheres com maior risco de PPT o que na prática clínica nos permitirá ajustar a vigilância fetal e planear o momento e local do parto.

São pontos fortes deste estudo o desenho de coorte prospectivo, a metodologia padronizada e precisa, o foco em biomarcadores placentários que oferece uma perspectiva inovadora na avaliação da função placentária e o potencial de tradução destes resultados na prática clínica. São pontos fracos o facto deste estudo ter sido conduzido num único centro e o facto dos recursos necessário poderem não estar disponíveis limitando a aplicabilidade clínica.

Por Luísa Pinto |  Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia / Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

O parto pré-termo (PPT) é a principal causa de mortalidade e morbilidade perinatal, ocorrendo de forma espontânea (PPTe) em 2/3 dos casos. Estratégias de rastreio adequadas para identificar indivíduos assintomáticos em risco são fundamentais, uma vez que existem medidas preventivas comprovadamente eficazes. Em gestações de feto único, 90% dos PPTe antes das 34 semanas correspondem a grávidas assintomáticas e sem antecedentes de PPT. Contudo, o papel da avaliação universal do comprimento do colo do útero na ecografia do 2º trimestre continua a ser controverso.

Esta meta-análise incluiu 8 estudos compreendendo 447,864 gestações únicas entre as 16 e as 25 semanas. Na análise global, a medição universal do comprimento cervical por via transvaginal não diminuiu significativamente a taxa de PPTe antes das 37 ou das 34 semanas mas associou-se significativamente a diminuição do PPTe antes das 32 semanas (OR, 0.84 [95% CI, 0.76–0.94], p=.002).

No subgrupo de grávidas sem PPTe anterior, verificou-se uma redução do risco de PPTe antes das 37 semanas (OR, 0.88 [95% CI, 0.79–0.97], P=.01). Não se encontraram diferenças significativas para PPTe antes das 34 ou das 32 semanas. Como limitações temos o facto de os estudos incluídos contemplarem diferentes cut-offs para a definição de colo curto e o facto de só 60% das grávidas com colo curto terem realizado medicação com progesterona, subestimando o potencial benefício deste rastreio.

Esta publicação, em consonância com as guidelines da ISUOG, recomenda a avaliação sistemática do comprimento colo na ecografia do 2º trimestre.

Por Marta Sales Moreira |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia da ULS Santo António.

 

A peri viabilidade corresponde a um período sensível da maturidade fetal, sendo o cutoff das 25 semanas o mais aceite para definir este conceito. A rotura prematura de membranas (PROM) é uma das causas mais frequentes dos nascimentos no período da peri viabilidade, sendo que podem ser oferecidos dois cenários ao casal: atitude expectante com instituição de antibioterapia associada a monitorização do bem estar materno-fetal ou interrupção da gravidez. O aconselhamento destas gestações representa um grande desafio, uma vez que a discussão dos vários desfechos possíveis com o casal assenta em literatura com pouca robustez científica.

Esta revisão sistemática e meta-análise tem como objetivo elucidar a taxa de desfechos obstétricos e neonatais nos casos de PROM que ocorreram no limite ou previamente à viabilidade (entre as 14 semanas e as 25 semanas), conduzidos com uma atitude expectante. Dos casos de PROM nesta idade gestacional, cerca de 1/3 dos casais optaram pelo término programado da gravidez sendo que, após exclusão destes casos, registaram-se 20.1% de mortes fetais ou abortos e uma taxa de 65.9% de nados vivos. A idade gestacional média dos nados vivos foi de 27,3 semanas. No que diz respeito às complicações maternas, a corioamniotite foi a mais frequente (33,4%), seguida de endometrite e hemorragia pós-parto. A morte neonatal ocorreu em 23.9% das gestações, sendo as complicações neonatais mais frequentes: respiratórias, retinopatia da prematuridade, sépsis e hemorragia intraventricular.

Uns dos principais determinantes dos desfechos adversos (incluindo os relativos ao neurodesenvolvimento) é a idade gestacional ao nascimento, sendo os outcomes mais favoráveis quando se caminha das 22 para as 28 semanas e o intervalo entre a PROM e o parto.

A PROM no limite ou previamente à viabilidade associa-se a complicações obstétricas e neonatais graves, revelando-se um desafio clínico a orientação e aconselhamento destes casos.

Por Magda Magalhães |  Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia //Serviço de Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário de São João

 

O desafio da agenesia do corpo caloso (CC) isolada continua a ser prever desfechos. Mesmo entre indivíduos com alterações neuroanatómicas semelhantes o desfecho neurológico pode diferir significativamente, possivelmente devido à presença de mecanismos compensatórios. A agenesia completa do corpo caloso está a associada a um normal neurodesenvolvimento em até 2/3 das crianças. E relativamente à agenesia parcial (pACC)?

Este estudo coorte retrospetivo, que incluiu 86 grávidas com diagnóstico pACC entre 2007 e 2017, avaliou achados ecográficos, anomalias associadas e desfechos perinatais e infantis até à idade escolar. Foram elegíveis como pACC os casos com agenesia de alguma das partes do CC, hipoplasia, ou alterações na sua forma.

Relativamente aos sinais ecográficos indiretos para avaliação do CC, estes nem sempre se observam, podendo surgir mais tardiamente. Neste estudo, 1/3 dos casos não apresentou alterações nos planos axiais antes das 24 semanas. As alterações na forma do cavum do septo pelúcido ou a sua relação comprimento/largura <1,5 auxiliaram no diagnóstico em apenas 50% dos casos. Em 33,8% dos casos com pACC não se observou a porção esplénica, reforçando a importância de integrar a avaliação do complexo posterior e a realização do plano médio-sagital.
Globalmente, 76,7% (66/86) dos casos tinham anomalias associadas, nomeadamente do SNC (44%), com a RM fetal a contribuir para estes achados em 14%. Globalmente, foram encontradas alterações cromossómicas em 31,9% (22/69) dos casos, maioritariamente por array CGH.

Entre os casos isolados de pACC que prosseguiram a gravidez (14 de 20), 43% (6/14) tiveram atraso do desenvolvimento, sendo este moderado a grave em 2/3 dos casos. O follow-up médio foi de 46 meses.

Os autores concluem que embora 57% dos casos com pACC isolada tenham um bom prognóstico, os restantes vão apresentar alterações na linguagem, motoras e/ou na interação social. O diagnóstico, a exclusão de anomalias e o estudo genético, com eventual extensão ao exoma, mostram-se essenciais.

Por Maria Afonso |  Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia //ULS Loures-Odivelas

 

O aconselhamento quanto a realização de uma amniocentese após as 24 semanas de gestação é um desafio na medicina fetal, pois a evidência sobre a capacidade diagnóstica e os riscos associados ao procedimento não se encontra bem estabelecida na literatura.

Este estudo retrospectivo multicêntrico, teve como objetivo avaliar os desfechos e complicações na realização de amniocentese após as 24 semanas de gestação em fetos com elevada suspeição de patologia fetal. Foi definido como complicação após o procedimento qualquer evento adverso que ocorresse até duas semanas após o mesmo.

Nesta coorte que incluiu 752 gestações, a amniocentese teve uma capacidade diagnóstica de 22,9%, sendo que um diagnóstico foi feito 2,4 vezes mais frequentemente em fetos com anomalias em múltiplos sistemas de órgãos.

Ocorreu uma complicação em 1,2% (9/747) dos casos – 2 casos de morte fetal, em fetos com aneuploidia; 2 casos de descolamento prematuro de placenta; 2 casos de parto pré-termo (PPT) e 2 casos de rotura prematura de membranas pré-termo (RPMPT); e 1 caso de suspeita de hipóxia fetal na sequência do procedimento, que motivou a indução do trabalho de parto.

Importa referir que os desfechos adversos (morte fetal, PPT, RPMPT) relacionaram-se com a complexidade das malformações fetais e, não necessariamente, com o procedimento per se. A taxa de PPT espontâneo antes das 37 semanas foi de 9,9% e menos frequente quando a amniocentese ocorreu depois das 32+0 semanas (9,9% vs 5,8%, p=0,001); não houve diferenças na taxa de PPT espontâneo antes das 37 semanas quando a amniocentese ocorreu entre as 24+0 – 27+6 semanas e entre as 28+0 – 31+6 semanas (9,3% vs 10,8%, p=0,404).

Estes dados sugerem que, apesar das complicações potenciais, a amniocentese tardia oferece um benefício diagnóstico significativo e com um perfil de segurança aceitável, particularmente para gestações com elevada suspeição de patologia fetal.

Por Luís Guedes-Martins, MD PhD |  Professor Associado de Obstetrícia – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto)
Assistente Hospitalar Graduado de Obstetrícia/Ginecologia // Diretor do Centro de Medicina Fetal (Medicina Fetal Porto) do Centro Materno Infantil do Norte (Unidade Local de Saúde de Santo António)

 

A coartação da aorta (CoA) é responsável por 7% dos casos de cardiopatia congénita em neonatos e, apesar dos avanços em ecocardiografia fetal, representa um dos defeitos mais difíceis de diagnosticar corretamente. O principal objetivo desta revisão sistemática é determinar a acuidade diagnóstica da ecografia obstétrica na deteção de CoA.

Foram avaliados 72 estudos, dos quais 25 cumpriram os critérios de inclusão (640 fetos foram incluídos na análise). Os achados desta investigação mostram que vários parâmetros ecocardiográficos fetais estão associados a um risco aumentado de CoA na vida pós-natal. No entanto, ao traduzir estes números em precisão diagnóstica, a ecografia mostrou apenas um desempenho moderado na deteção de CoA no período pré-natal. O diagnóstico pré-natal de CoA continua a ser um desafio, e tanto os casos falso-negativos como os falso-positivos são preocupantes.

Uma revisão bibliográfica extensa, o grande número de parâmetros ecográficos avaliados, a inclusão de casos que apresentam apenas desproporção isolada no corte de 4 quatro câmaras ou grandes vasos e o cálculo da força da associação e da precisão diagnóstica de diferentes sinais ecográficos para diagnóstico de CoA são os principais pontos fortes deste estudo. A falta de possibilidade de avaliação longitudinal dos parâmetros ecográficos explorados, a heterogeneidade na idade gestacional (o que impediu uma avaliação abrangente de cada parâmetro na deteção de CoA) e a discrepância nos protocolos de imagem para avaliar fetos com suspeita de CoA representam os principais pontos fracos desta revisão.

De acordo com os resultados desta meta-análise, os parâmetros ecográficos pré-natais mais comumente avaliados neste contexto estão corretamente associados à CoA. No entanto, a sua capacidade preditiva é claramente limitada.