SUGESTÃO DA SEMANA
Comentário de um especialista convidado a um artigo científico publicado
Por Ana Luísa Areia | Serviço de Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra- Coimbra, Portugal / Universidade de Coimbra • Faculdade de Medicina
Na atualidade, é fortemente questionada a necessidade de aguardar o início espontâneo do trabalho de parto até às 41 Semanas em gestações de baixo risco.
Este artigo efetua uma avaliação secundária do ARRIVE trial (indução eletiva do trabalho de parto (ITP) às 39 semanas de gestação em mulheres nulíparas de baixo risco vs. terapêutica expectante), em que os autores pretenderam responder à questão de se no grupo submetido a ITP às 39 semanas existiriam características maternas que poderiam fazer prever um melhor desfecho perinatal comparativamente à terapêutica expectante.
A conclusão do estudo revela que não há características que possam ser usadas para identificar um subgrupo de mulheres mais suscetíveis de beneficiar de terapêutica expectante em comparação com a ITP. Mais, nesta análise, a indução às 39 semanas de gestação foi associada a uma redução do risco de efeitos perinatais adversos (morte perinatal e complicações neonatais): 4.1% vs. 6.0% (P=0.003). Por outro lado, a frequência de lacerações perineais e de hemorragia pós-parto foi semelhante entre os grupos (lacerações: 3.5% vs. 3.2%, P=0.53; hemorragia pós-parto: 4.7% vs. 4.8%, P=0.94).
Os pontos fortes desta análise surgem do grande e robusto estudo a partir do qual é derivado (que incluiu 41 centros diversos, com análise de 5,007 mulheres), que tinham rigorosos critérios de inclusão, dados prospectivamente recolhidos, fiáveis e detalhados, com resultados clinicamente relevantes. As limitações são as inerentes a qualquer estudo observacional, bem como a generalização dos resultados.
Concluindo, a ITP às 39 semanas de gestação associou-se a uma redução do risco de efeitos perinatais adversos, não havendo possibilidade de prever com fiabilidade quais as mulheres mais propensas a ter esses efeitos adversos. Desta forma, nesta análise secundária não se conseguiu determinar as características das grávidas que beneficiariam de terapêutica expectante.
Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia, Hospital CUF Descobertas
A atonia uterina é a causa mais frequente de hemorragia pós-parto e, se bem que haja situações que a propiciam, muitas vezes surge de forma inesperada. Nos últimos anos, a criação de protocolos e o treino de equipas para fazer face a esta situação, a utilização de fármacos na sua prevenção, tem ajudado muito a lidar com esta emergência obstétrica, resolvendo a grande maioria. Perante a falência da terapêutica, o passo seguinte é o do tamponamento uterino com balão que, promovendo pressão interna, facilita a compressão vascular. Mas quem já utilizou este método sabe que não é assim tão fácil de colocar, requer tamponamento vaginal para que se mantenha e monitorização materna por um longo período.
Em 2016 foi apresentado um novo dispositivo que tinha subjacente a ideia de que a criação de vácuo intrauterino resolveria a hemorragia ao levar ao colapso vascular. O estudo que hoje apresentamos mostra os resultados da sua utilização em 106 casos de hemorragia pós-parto em que se considerou existir falência do tratamento médico. A taxa de sucesso do sistema de vácuo foi de 94% (100/106) sendo de dois minutos o tempo médio de inserção, de três minutos o do controlo da hemorragia e de cerca de três horas o da manutenção do dispositivo. Não se registaram complicações significativas com a utilização do dispositivo e 98% dos utilizadores acharam fácil a sua colocação.
Por terem sido excluídas hemorragias pós parto maciças (> 1500ml) e a maioria dos partos ter ocorrido por via vaginal não é possível generalizar os resultados mas, o facto de o de ter sido um estudo multicêntrico, com um protocolo bem definido e com resultados entusiasmantes, torna promissora sua utilização. De tal forma, que os editores do Green Journal decidiram permitir o acesso livre ao texto que vivamente recomendo.
Por Ana Paula Machado | Assistente Hospitalar Graduada Ginecologia/Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário S. João
Nas últimas 3 décadas, temos vindo progressivamente a assistir ao protelar da gravidez para idades mais tardias. Esta situação, frequentemente motivada por fatores sócio-profissionais, está associada um aumento do risco de complicações na gestação.
Este estudo de coorte que apresento, tem como objetivo a avaliação dos desfechos adversos maternos e perinatais, em grávidas com ³40 anos, de acordo com a paridade. Os autores incluíram os partos ocorridos entre janeiro/2000 e dezembro/2018 com base no Dutch National Perinatal Registry, num total de 3700326 grávidas. Foram comparados os desfechos entre um grupo de referência (25-29anos)(n=1085447) e os grupos etários 40-44 anos(n=112952), 45-49 anos (n=4631) e ³50 anos (n=157), estratificado por paridade e controlados para forma de conceção, gravidez múltipla, grupo étnico e fatores sócio-económicos. Foram considerados desfecho primário a mortalidade materna/perinatal e secundários as complicações maternas/perinatais frequentes e taxa de cesariana.
Nesta população com 3.2% das grávidas ³40 anos, a mortalidade materna, embora rara, foi significativamente maior nas multíparas ³50 anos. A mortalidade perinatal, significativamente mais elevada em primíparas (2-3x) e multíparas (2-4x), aumentou progressivamente com a idade materna.
Quanto aos desfechos secundários, eles foram significativamente mais frequentes e com aumento da magnitude do risco, com o avançar da faixa etária. De realçar nas primíparas, a doença hipertensiva, 10 vezes mais prevalente após os 50 anos, e a taxa de cesariana 6-7 vezes maior após os 45 anos. Nas multíparas, de referir também as doenças hipertensivas, com um risco 5 vezes maior, e 4 vezes mais cesarianas e Apgar<7 ao 5ºminuto, após os 50 anos.
Este trabalho tem como principal ponto forte o tamanho amostral, mas está limitado por ser um estudo retrospetivo, com possibilidade de viés de registo. É, no entanto, um importante instrumento de trabalho no auxílio ao desenvolvimento de orientações e aconselhamento a grávidas em faixas etárias avançadas.
Por Cristina Nogueira-Silva | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga / Professora Auxiliar da Escola de Medicina da Universidade do Minho / Investigadora do ICVS e do Laboratório Associado ICVS/3B’s
A administração de aspirina em baixa dose (75 a 150 mg/dia), das 12 semanas de gestação até ao parto é atualmente recomendada às grávidas com risco aumentado de desenvolver pré-eclâmpsia. Tendo em conta a evidência de complicações hemorrágicas na utilização de aspirina na população não grávida, este artigo teve como objetivo estudar se a utilização de aspirina durante a gravidez se associa a um aumento do risco de complicações hemorrágicas.
Trata-se de um estudo coorte, incluindo 313.624 mulheres com partos registados de janeiro de 2013 a julho de 2017 no Swedish Pregnancy Register (que inclui 90% de todos os partos da Suécia). Destas mulheres, 4.088 (1,3%) foram medicadas com aspirina durante a gravidez. A utilização de aspirina na gravidez não se associou a mais complicações hemorrágicas anteparto, mas sim a maior incidência de hemorragia intraparto (2,9% vs. 1,5%; ORa 1,63; IC 95%: 1,30-2,05) e pós-parto (10,2% vs. 7,8%; ORa 1,23; IC 95%: 1,08-1,39). Quando o parto foi vaginal, a aspirina associou-se também a maior risco de hematoma pós-parto (ORa 20,41; IC 95%: 2,62-158,93) e hemorragia intracraniana neonatal (ORa 17,07; IC 95%: 3,70-78,86), o que não se verificou se parto por cesariana.
De salientar a dimensão da amostra, a atualidade dos dados e o facto de ser um estudo de base populacional como pontos fortes deste trabalho. Como limitações saliento o facto da dose de aspirina utilizada não ter sido registada e, sendo uma base de registo obstétrica, a possibilidade de complicações hemorrágicas não obstétricas, tais como gastrointestinais, tenham sido subnotificadas.
Assim, e de acordo com este estudo, a utilização de aspirina na gravidez associa-se a aumento de complicações hemorrágicas intra e pós-parto, devendo por isso a sua prescrição ser reservada para as mulheres com risco aumentado de pré-eclâmpsia, e não ser administrada de forma universal como alguns autores têm defendido.
Por Susana Santo | Assistente hospitalar graduada do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria – CHLN / Professora Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
A gravidez gemelar é responsável por uma percentagem importante do parto pré-termo e, nestas situações, recai sobre o obstetra a necessidade de realizar o aconselhamento pré-natal, na ausência de medidas eficazes para a sua prevenção. A orientação clínica de gestações gemelares com algum grau de dilatação cervical tem sido particularmente difícil, uma vez que a evidência científica é escassa e baseada em estudos observacionais.
Este é o primeiro estudo aleatorizado que avalia a realização de cerclage em gestações gemelares quando a dilatação cervical é igual ou superior a 1cm (exame ao espéculo ou avaliação digital). O principal objectivo do estudo foi o de avaliar se a cerclage diminui a taxa de parto pré-termo antes das 34 semanas de gestação, em gravidezes gemelares com dilatação cervical assintomáticas. Neste estudo multicêntrico, a técnica de cerclage, a decisão de realizar tocólise com indometacina, administrar antibitóticos, administrar progesterona, bem como realizar amniocentese previamente ao procedimento ficaram ao critério do clínico. Verificou-se que a taxa de parto pré-termo antes das 34 semanas foi menor no grupo da cerclage (12/17 (70%) vs 13/13 (100%) (RR, 0.7, 95% CI, 0.46–0.96), assim como o risco de parto antes das 32, 28 e 24 semanas. A mortalidade perinatal foi menor no grupo da cerclage (6/34 -17.6%- vs 20/26 – 77% – (RR: 0.22 95% CI 0.1-0.5). O tempo média de latência entre o diagnóstico e o parto foi cerca de 5,6 semanas superior (2.0-9.3; p 0,02) no grupo da cerclage.
Apesar do estudo ter sido interrompido pela comissão de monitorização de dados (previa o recrutamento de 70 gestações gemelares) incluindo apenas um reduzido número de casos e de ter alguns enviesamentos referentes à abordagem da cerclage, os resultados apresentados são fundamentais para o aconselhamento de grávidas com gestação gemelar complicada por dilatação cervical.
Por Luís Mendes Graça | Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa
Este estudo colaborativo envolveu 16 jurisdições de saúde pública de outros tantos estados norte-americanos, o que permitiu uma visão alargada da infeção confirmada laboratorialmente por coronavírus SARS-CoV-2 em 5250 grávidas.
Dos 3912 partos de feto vivo com tempo de gestação bem determinado, em 12,9% o parto ocorreu antes das 37 semanas (PPT), isto é, uma taxa significativamente mais elevada do que a registada nos EUA em 2019 (10,2%). Entre os 610 (21,3%) recém-nascidos (RN) em que foi obtido um teste para SARS-CoV-2, a infecção perinatal foi pouco frequente (2,6%) e ocorreu maioritariamente nos casos em que a infecção materna ocorreu na semana anterior ao parto.
Dado que a maior parte das infecções maternas até hoje foi registada no 3º trimestre, serão necessários novos dados para avaliar os efeitos fetais da infecção ocorrida na gravidez inicial, bem como os desfechos a médio-longo prazo nas crianças nascidas nesse contexto. Estes futuros resultados permitirão estabelecer recomendações sobre a testagem dos RN, sobre as atitudes clínicas a aplicar e o aconselhamento a providenciar aos progenitores, nomeadamente sobre o risco aumentado de PPT. Também, a todas as gestantes devem ser enfatizadas as medidas de prevenção da infecção das grávidas no contexto familiar e laboral.
O ponto-forte deste estudo é o de ter permitido reunir quase 4000 casos de infecção pelo SARS-CoV-2 devidamente estudados, facilitando a percepção atual sobre os riscos inerentes da pandemia nas mulheres grávidas.
Por Teresa Loureiro | Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa / Assistente Hospitalar Graduada do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE
A avaliação do crescimento fetal é um importante objetivo da vigilância pré-natal. A ecografia possibilita a antropometria do feto e esta é usada rotineiramente como avaliação indireta do seu tamanho. Os dados obtidos são comparados com curvas de referência disponíveis na literatura, criadas a partir de populações díspares e com metodologias diversas. A seleção das mesmas é ainda dependente da avaliação crítica do ecografista, da orientação escolar do Centro de Diagnóstico Pré-Natal ou da acessibilidade em programas como o Astraia® ou ViewPoint®. A partir da informação retirada deste processo, as biometrias nos percentis de crescimento mais baixos são interpretadas como marcadores de restrição, conduzindo a uma identificação de fetos com risco aumentado de mau desfecho perinatal e consequente modificação da atitude clínica. No entanto, tamanho e crescimento não são termos sinónimos. A apreciação do crescimento envolve avaliações da antropometria fetal ao longo do tempo. Neste estudo, os autores descrevem tabelas de velocidade de crescimento através da aplicação de biometrias fetais obtidas por ecografia, cumprindo critérios de mensuração estandardizados utilizados na coorte do projeto INTERGROWTH-21. Pela primeira vez, é feita uma avaliação longitudinal do crescimento fetal em populações internacionais de grávidas de baixo risco. Um dos resultados interessantes deste artigo é a demonstração da disparidade da velocidade de crescimento das diversas estruturas fetais. O pico do crescimento é observado entre as 16-17 semanas para o esqueleto e abdómen, mas os achados sugerem que o crescimento do esqueleto é um processo biológico com maior velocidade na primeira metade da gravidez, contrastando com o crescimento do perímetro abdominal, que se mantém estável ao longo da mesma. Estas curvas poderão ser vantajosas como complemento das referências atualmente usadas, no entanto a sua utilização prática pode ser complexa e os resultados de difícil interpretação.
Por Anabela Rocha | Assistente Hospitalar do Serviço Obstetrícia do Centro Hospital Universitário de São João / Assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
O parto pré termo (PPT), principalmente antes das 34 semanas, é a principal causa de morte neonatal e infantil. A taxa de PPT antes das 34 semanas é cerca de 1%, em gravidezes únicas, sendo 10 vezes superior, na gravidez gemelar.
O objetivo primário deste estudo randomizado controlado, duplamente cego e multicêntrico, foi demonstrar o benefício na gravidez gemelar, do uso de progesterona vaginal (600mg/dia) das 11-14 semanas às 34 semanas. Para tal randomizaram-se 1194 mulheres (progesterona vs placebo): foi tambem avaliados a história obstétrica, características demográficas, datação da gravidez e às, 11+0-13+6 semanas, o comprimento cervical por ecografia transvaginal.
A adesão terapêutica descrita foi boa (≥80% de tomas) em 81,4% das participantes. Não houve diferenças estatisticas na incidência de PPT (24+0 e as 33+6 ) entre os dois grupos: 10,4% (56/541) no grupo de progesterona vs 8,2% (44/538) no grupo placebo (OR 1,35;95% CI 0,88-2.05, P=0,17). Contudo, verificou-se uma fraca evidência de interação com o comprimento cervical (p=0,08) sugerindo malefício naquelas com comprimento cervical ≥30mm e um potencial benefício para aquelas com comprimento cervical <30mm. Na análise post hoc, verificou-se uma redução na incidência de aborto e PPT antes das 32 semanas, no grupo tratado com progesterona.
Conclui-se assim, que em mulheres com gravidez gemelar, o tratamento universal com progesterona vaginal, não reduz a incidência de PPT espontâneo entre as 24+0 e as 33+6 semanas. A análise post hoc sugere que o uso de progesterona pode reduzir o risco de PPT espontâneo antes das 32 semanas em mulheres com comprimento cervical <30mm e aumentar esse risco naquelas com colo ≥30mm.
Apesar do tamanho amostral (1194), o poder do estudo mostrou-se inferior ao esperado e os achados resultantes da análise post hoc, apesar de promissores devem ser confirmados, com estudos subsequentes.
Por Elsa Pereira | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães / Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho
O desenvolvimento intra-uterino começa no período embrionário e prossegue ao longo de toda a gravidez. Muitas estruturas, sobretudo as cerebrais, continuam o seu desenvolvimento no período pós-natal. Assim, muitas anomalias são passíveis de diagnóstico apenas com a maturação fetal e em fases mais avançadas da gravidez. Embora mais tardio, o diagnóstico é importante para melhorar a conduta obstétrica, planear alguma intervenção ou fazer um seguimento pós-natal adequado.
Esta revisão sistemática e meta-análise teve como objetivos determinar a prevalência e o tipo de malformações detetadas na ecografia do 3º trimestre, em grávidas com rastreio ecográfico morfológico normal no 2º trimestre. Foram incluídos 13 estudos, mais de 140 000 grávidas, tendo sido a prevalência de anomalias diagnosticadas de 3,68 por 1000 ecografias realizadas (IC 95%: 2,72-4,78). As anomalias urogenitais foram as mais frequentemente encontradas (54,6%), seguidas das malformações cerebrais (17,6%) e cardíacas (14%).
Apesar de não haver uniformidade dos estudos, pois a idade gestacional da ecografia 3º trimestre variou entre 28-40 semanas e nem todos os estudos especificaram o rastreio morfológico como objetivo da ecografia, os autores encontraram uma anomalia ecográfica em cada 300 exames realizados.
Numa altura em que o diagnóstico das malformações estruturais fetais se centra sobretudo na ecografia morfológica do 1º e 2º trimestre (diagnóstico precoce), e a ecografia do 3º trimestre está amplamente valorizada para o diagnóstico da restrição de crescimento fetal, este trabalho vem reafirmar a importância desta última no diagnóstico das malformações de aparecimento tardio.
Ainda não é consensual qual o momento ideal para estabelecer um protocolo de 3º trimestre, que inclua simultaneamente as melhores condições para a avaliação da anatomia fetal e para o rastreio da restrição de crescimento fetal tardia, e esta revisão pode contribuir para o determinar.
Por Maria José Alves | Assistente Graduada Sénior de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço Medicina Materno Fetal da Maternidade Dr. Alfredo da Costa – Centro Hospitalar de Lisboa Central
Foi logo a seguir ao webinar de janeiro da EAPM (European Association of Perinatal Medicine) que considerei trazer este tema para a Sugestão da Semana.
A laqueação tardia do cordão não é um tema novo; ao que creio, tem sido pouco discutida entre os Especialistas, mesmo entre muitos daqueles que já a implementam nos partos que realizam ou supervisionam.
Talvez a sua (aparente?) simplicidade, nenhuma tecnologia e até a ligação com o (chamado) parto natural não tenham atraído a atenção de grande parte da comunidade científica e tenham mesmo lançado algum estigma sobre esta conduta e a sua discussão entre pares.
No entanto, a investigação tem avançado em relação a diversos aspetos (quanto tardia? desfechos neonatais e maternos…dificuldades de execução nos vários cenários…) e, da maior importância, o estudo do impacto da transfusão placentária suplementar: aumento da disponibilidade em ferro, evitando a anemia neonatal durante o primeiro ano de vida e melhorando o neuro desenvolvimento; impacto na adaptação à transição fisiológica da circulação neonatal, com benefícios também para recém-nascidos mais frágeis, como os prematuros e/ou recém-nascidos LIG
Foi sobre este último grupo, que este estudo se debruçou, comparando os efeitos da laqueação tardia do cordão nos fluxos sanguíneos sistémico e cerebral e avaliando o benefício e a segurança do procedimento em recém-nascidos LIG com IG igual ou superior a 28 semanas.
Muito embora as limitações deste estudo (que escolhi por obedecer aos critérios pedidos), pode despertar-nos a curiosidade para implementarmos a conduta nos Blocos de Partos estreitando a colaboração perinatal, entre enfermeiros especialistas, obstetras e neonatalogistas, já que o momento do corte do cordão, sobretudo nos recém-nascidos mais frágeis, há de ser um compromisso entre os conhecimentos de cada um e a monitorização clínica do estado do recém-nascido à nascença.
Para breve, uma ampulheta nas nossas salas de parto.
Por Renato Martins | Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia e Obstetrícia – Serviço de Obstetrícia e Ginecologia – Departamento Saúde Criança e Mulher – Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira EPE / Assistente Convidado de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade Ciências da Saúde – Universidade Beira Interior
Na Indução do Trabalho de parto, o seu perfil de segurança e eficácia são questões prementes na mente de qualquer obstetra na sua prática diária. Trata-se de uma prática comum em obstetrícia podendo atingir até 20-30% na gravidez de termo. No entanto qual o método mais eficaz e seguro continua envolto em controvérsia e incerteza. O recurso à meta-análise com individualização da informação dos participantes permite uma maior padronização e comparação dos dados obtidos. Este estudo de Kemper et al., define como outcome primário a probabilidade de parto por via vaginal, a probabilidade de desfechos perinatais adversos e probabilidade de desfechos maternos adversos. De 1012 potenciais estudos foram incluídos 4 Randomized Controlled Trials, comparando o uso de sonda Foley versus misoprostol oral na indução do trabalho de parto na gravidez de termo unifetal. Foram incluídas 2815 participantes com 1399 no uso da sonda Foley e 1416 no uso de misoprostol oral. Apesar do estudo demonstrar igual perfil de eficácia e segurança, demonstrou uma ligeira redução na probabilidade de parto por via vaginal, e de desfechos perinatais adversos no grupo da sonda Foley (RR 0.95 – 95% CI 0.91-0.99 e RR 0.71 – 95% CI 0.48-1.05 ). O ponto forte deste estudo é o tamanho da amostra, mas há que referir como limitação ao mesmo, a ausência de informação e consistência das definições utilizadas sobretudo na análise dos outcomes secundários. Em termos práticos e clínicos conclui-se que o recurso à sonda Foley para indução do trabalho de parto poderá ser útil, com similar grau de eficácia e segurança, nos casos de particular atenção ou gravidade perinatal.
Por Luísa Martins | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia Ginecologia / Hospital CUF Descobertas – Lisboa
Sendo o parto pré-termo (PPT) uma das principais causas de mortalidade e morbilidade perinatal nos países ocidentais, a sua predição é uma preocupação em Obstetrícia.
Este artigo tem como objetivo primário analisar a performance diagnóstica do colo curto (≤25mm), avaliado por ecografia no segundo trimestre, na predição do PPT, em gestações simples e sem fatores risco para PPT.
Trata-se de um estudo prospetivo, duplamente cego, realizado em 7 centros hospitalares na Suécia com uma amostra de 11456 gravidas. Foram realizadas avaliações cervicais em exame de rotina ecográfica do 2º trimestre, em dois períodos: 18 e 20semanas e 6 dias (11072 gravidas); 21 e 23semanas e 6 dias (6288 grávidas); e em ambos os períodos (6179 grávidas).
O outcome primário foi avaliar o PPT entre as 22-32 semanas e 6 dias. Como resultados o PPT (< 33 semanas) ocorreu em 0,5% no 1ºgrupo e 0,4% no 2º grupo. A prevalência do colo curto foi de 4,0% no 1º grupo e de 4,4% no 2º.
Neste trabalho a capacidade de predição do PPT pela avaliação do colo por ecografia no 2º trimestre, foi baixa apresentando uma melhor performance quando realizada mais tardiamente.
Como pontes fortes saliento o facto de ser um estudo prospetivo, duplamente cego, multicêntrico e com uma amostra de volume considerável. Menos favorável foi o facto de terem sido incluídas apenas 54% do grupo de grávidas inicialmente elegiveis para o estudo.
Como conclusão os autores consideram que a avaliação do comprimento do colo por ecografia no 2º trimestre, numa população com baixa prevalência de PPT, tem um fraco valor preditivo do PPT e que antes de ser utilizada como rastreio universal devem ser realizados mais estudos.
Por Alexandra Matias | Assistente Hospitalar Graduada em Ginecologia e Obstetrícia no Centro Hospitalar Universitário de S. João / Professora Associada com Agregação da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
As consequências da restrição de crescimento fetal (RCF) na morbilidade respiratória do feto são contraditórias. Sabe-se que a RCF condiciona um stress intrauterino crónico com consequências a longo prazo no desenvolvimento pulmonar. A RCF não só constitui um fator de risco para a síndrome de distress respiratório (SDR) e displasia broncopulmonar (DBP), por redução da angiogénese pulmonar e disrupção da alveolarização devido à hipóxia crónica, mas ao mesmo tempo também parece ter um efeito protetor contra SDR por aumento dos níveis de surfactante e corticoides endógenos.
Trata-se de um estudo retrospetivo realizado ao longo de 10 anos num hospital terciário que avalia a morbilidade respiratória (SDR e DBP) numa população de gémeos monozigóticos com placentação monocoriónica e restrição seletiva de um dos fetos. Trata-se de um modelo que pretende excluir fatores confundidores de uma gravidez de feto único atribuíveis a diferenças na constituição genética, factores obstétricos e maternos (doença materna e medicação).
A prevalência de RDS foi mais baixa no gémeo mais pequeno (19.1% vs. 34.0%, p = 0.004). Já a prevalência de DBP duplicou no gémeo mais pequeno (16.87% vs 6.7%, p= 0.008. Assim, embora os fetos com RCF pareçam estar “protegidos” contra morbilidade respiratória aguda na altura do nascimento, a possibilidade de desenvolver morbilidade respiratória crónica está aumentada para o dobro no gémeo mais pequeno, refletindo o efeito patofisiológico adverso da RCF no desenvolvimento do pulmão.
Em conclusão, apesar da constituição genética idêntica dos gémeos MZ e fatores maternos sobreponíveis, a morbilidade respiratória específica para cada um dos gémeos diferiu significativamente.
Por Telma Almeida | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – ULSM, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos
Este artigo aborda um tema de grande destaque no contexto atual de pandemia, sendo relevante a sua importância face às dúvidas relacionadas com a vacinação na grávida pois estas e mulheres a amamentar foram excluídas nas primeiras fases da vacinação, faltando assim dados para melhor orientar uma decisão de vacinar durante a gravidez.
O objetivo deste estudo prospetivo coorte de dois centros médicos académicos, foi o de avaliar a imunogenicidade e reactogenicidade da vacina COVID-19 mRNA em grávidas e mulheres a amamentar em comparação com 2 controlos: mulher não grávida e mulheres com infeção natural covid-19 durante a gravidez. Foram analisados: os titulos séricos e do leite materno basais do SARS-CoV2 spike; IgG, IgA e IgM materno, após a segunda dose de vacina; e 2 a 6 semanas após a segunda dose e na altura do parto. Os titulos séricos no cordão umbilical também foram medidos na altura do parto. Os titulos foram comparados com os titulos de grávidas infetadas naturalmente (medidos entre 4 a 12 semanas de diagnóstico).
Os resultados demonstraram que os titulos de anticorpos induzidos pela vacina foram equivalentes em grávidas e mulheres a amamentar em comparação com não grávidas. Todos os titulos foram significativamente maiores do que aqueles induzidos pela infeção natural durante a gravidez. Os anticorpos gerados pela vacina estiveram presentes em todas as amostras de sangue do cordão umbilical e do leite materno. Em ambas amostras, a segunda dose da vacina aumentou IgG específica SARS CoV-2, mas não a IgA. Não se registaram diferenças na reactogenicidade nos grupos em estudo.
Em conclusão, apesar do número reduzido de participantes (n=131), o estudo mostrou que a vacina COVID-19 mRNA gerou imunidade humoral robusta em grávidas e em mulheres a amamentar sendo a resposta induzida significativamente superior à da infeção natural.
Por Joana Raquel Silva | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia /Espinho
Os critérios de pré-eclampsia têm evoluído da definição tradicional de hipertensão de novo e proteinúria, para outros, mais abrangentes, que incluem disfunção de órgão-alvo, levando ao aumento no número de diagnósticos. Os autores do artigo questionam se esta mudança reflete a verdadeira etiologia da síndrome e se é preditiva da severidade dos desfechos maternos e perinatais. Pretendem, ainda, perceber a associação dos critérios individuais utilizados com os desfechos obstétricos obtidos.
Este estudo, retrospetivo e de coorte, incluiu 751 grávidas com pré-eclampsia. Os resultados mostram que, por cada 100 casos de pré-eclampsia definida pelos critérios clássicos, as mais recentes classificações (ACOG e ISSHP 2018) adicionam seis e 15 casos, respetivamente. Estes casos adicionais caracterizam-se por um fenótipo menos grave da doença (com menores taxas de hipertensão severa e necessidade de administração de sulfato de magnésio), uma tendência no sentido de incremento da idade gestacional do parto menor incidência de prematuridade e desfechos perinatais adversos. Adicionalmente, os critérios objetivos, como trombocitopenia, proteinúria, disfunção renal e hepática e restrição de crescimento fetal (incluída apenas na definição da ISSHP 2018), associam-se a um risco aumentado de outcomes desfavoráveis, o que não acontece com os critérios subjetivos, como cefaleias e alterações visuais.
A discussão e as conclusões remetem-nos para a noção de que a decisão de adotar uma definição mais inclusiva de pré-eclâmpsia tem várias implicações clínicas, nomeadamente, um aumento na iatrogenia e encargos em saúde, sem uma inequívoca associação a um claro e evidente benefício. Fica a questão da restrição de crescimento fetal como critério inclusivo para o diagnóstico (foi o critério que de forma mais importante se associou a maus desfechos) e a necessidade de estudos prospetivos que permitam determinar o tipo de vigilância nos casos definidos exclusivamente pelos critérios recentes. Salvaguarda-se, ainda, o papel promissor dos marcadores bioquímicos de pré-eclampsia na definição de caso, quando a proteinúria está ausente.
Por Jorge Lima | Coordenador de Obstetrícia do Hospital CUF Descobertas / Professor Auxiliar Convidado e Investigador do Comprehensive Health Research Centre (CHRC), CEDOC, NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa
O sulfato de magnésio (MgSO4) é um dos fármacos mais utilizados nos serviços de urgência de obstetrícia, no tratamento e profilaxia das convulsões na pré-eclâmpsia/eclâmpsia e na neuroprotecção fetal na ameaça de parto pré-termo. Apesar do seu mecanismo de ação não estar completamente esclarecido, sabe-se que interfere com o balanço intracelular entre o cálcio e o magnésio, reduz a excitabilidade do córtex cerebral, diminui a acetilcolina na junção neuromuscular, interfere com a actina-miosina, bloqueia os recetores NMDA e antagoniza algumas catecolaminas. Esses efeitos resultam numa vasodilatação arterial, numa diminuição da pressão sistólica, numa diminuição da contractilidade uterina e num relaxamento miometrial. Tem sido sugerido que esse efeito colateral tocolítico do MgSO4 possa, no pós parto, interferir com a involução uterina, aumentando o risco de atonia uterina e de hemorragia pós parto.
Esta meta-análise revelou que o risco de atonia uterina no pós parto foi semelhante entre os mulheres que fizeram e as que não fizeram MgSO4. Da mesma forma, a perda de sangue estimada também foi comparável embora se observasse um aumento, não estatisticamente significativo, do risco de hemorragia pós-parto com o uso de MgSO4.
Como aspeto positivo salienta-se o facto desta meta-análise ter tido por base modelos que diminuem a heterogeneidade metodológica entre os estudos incluídos e como aspeto negativo o facto de alguns dos estudos analisados não terem sido desenhados com o objetivo primário de investigar o impacto do MgSO4 no risco de atonia e hemorragia pós parto, tendo esta evidência sido extraída de forma indireta.
Os achados desta meta-análise contradizem o fundamento fisiopatológico de que o uso de MgSO4 aumenta o risco de atonia uterina e de hemorragia pós parto, afirmando a segurança do seu uso no periparto. Sendo assim, em situações em que o parto é inevitável, não há necessidade de suspensão do uso de MgSO4, decepando os seus potenciais efeitos benéficos.
Por Teresa Bombas | Assistente graduada do Serviço de Obstetrícia A, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
O acesso aos cuidados de saúde maternos e perinatais têm um papel importante na redução da mortalidade infantil.
Em 2006, ocorreu uma reforma nos cuidados de saúde maternos e perinatais, incluindo o encerramento de maternidades publicas com menos de 1500 partos por ano.
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto desta medida na acessibilidade aos cuidados de saúde maternos e perinatais e nas causas evitáveis de mortalidade infantil.
Foram realizadas entrevistas qualitativas semiestruturadas a especialistas e mães e uma análise temática do relatório publicado pela Comissão Nacional De Saúde Materna e Neonatal. Os Especialista foram recrutados entre os elementos envolvidos na reorganização dos cuidados em 2006. As mães foram recrutadas entre as mulheres que tiveram parto depois de 2006, preferencialmente residentes nos municípios onde as maternidades foram encerradas. Nos resultados os autores encontram uma diferença de opiniões entre Especialistas e Mães. A medida do encerramento das maternidades foi tecnicamente positiva traduzindo-se num decréscimo da mortalidade infantil e neonatal (Mortalidade neonatal: 2,2 por 1000 nascimentos em 2005 e 1,9 mortes por 1000 em 2019; Mortalidade infantil: 4,3 no período de 2001-2005, 3 mortes no período de 2014-2018). O depoimento das mães foi menos favorável, considerando existir agravamento nas diferenças no país na acessibilidade aos cuidados de saúde.
Todo o artigo me pareceu muito bem estruturado e com conclusões maioritariamente consistentes com os dados analisados. No entanto, (e esta foi a razão da minha escolha) também se pode ler que 99% dos partos ocorreram em hospitais, sendo esta uma das razões encontradas para a medicalização do parto em Portugal. Os autores recomendam incluir cuidados de saúde maternos “home-based” e partos no domicílio suportados pelo SNS. Algo que me parece contrariar o objetivo da otimização de cuidados obstétricos que esteve na base da medida de 2006 e, que merece a nossa reflexão e critica.
Por Pedro Rocha | Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital da Luz, Lisboa.
A decisão da via de parto na gravidez gemelar é o último desafio na vigilância pré-natal destas pacientes. O parto é sempre gerador de ansiedade junto das grávidas o que implica um aconselhamento obstétrico baseado na melhor evidência científica.
O artigo apresentado esta semana é uma a análise secundária do Twin Birth Study, estudo multicêntrico randomizado e controlado, realizado em 106 centros de 25 países, e que incluiu 2804 gestações gemelares, entre as 32s+0d e as 38s+6d, em que o 1º feto se encontrava cefálico. Neste estudo as pacientes foram randomizadas para parto por cesariana ou parto vaginal.
Os autores definiram 13 marcadores de prognóstico (características maternas e da gravidez) sendo que não foram encontradas diferenças entre os grupos no que concerne aos desfechos perinatais adversos. No entanto, se analisados os desfechos perinatais adversos de acordo com a idade gestacional no parto, os autores encontraram uma tendência para uma menor incidência entre as 32s+0d e as 36s+6d no grupo programado para parto vaginal. Pelo contrário, nos partos ocorridos após as 37s+0d observaram uma maior incidência de desfechos perinatais adversos no grupo programado para parto vaginal (OR de 2.25 – IC 95%, 1,06-4,77).
Os autores colocam a idade gestacional como o factor mais determinante quanto ao prognóstico perinatal. Assim, entre as 32 e as 37 semanas, estando o primeiro feto cefálico, deve ser aconselhado o parto vaginal. Após as 37 semanas o parto por cesariana é mais seguro para ambos os fetos; no entanto, os riscos absolutos são muito baixos e devem ser ponderados tendo em conta o acréscimo de risco materno associado a uma cesariana.
Por Sofia Franco | Assistente Hospitalar Graduada no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – Serviço de Obstetrícia A – Maternidade Dr. Daniel de Matos
Este artigo é uma revisão sistemática com meta-análise que estuda a eficácia da utilização da genotipagem RHD (GTRHD), com a metodologia do ADN fetal circulante no sangue materno (ADNfcSM) – Teste Pré-Natal Não Invasivo no Sangue Materno (TPNNISM), na orientação clínica das gestações de mãe RHD negativas.
A sensibilidade e especificidade obtidas na determinação do genótipo RHD fetal foi respetivamente de 99,3% e de 98,4%, com intervalo de confiança de 95% para um valor de P < 0,001 (98,7-99,7% e 97,4%-99%, respetivamente).
A tecnologia utilizada foi a Polymerase Chain Reation em Tempo Real (PCR-TR), com análise de pelo menos 2 exões do gene RHD. Vários estudos têm demonstrado o impacto positivo da sua utilização: evitar a realização de imunoprofilaxia desnecessária (riscos da administração de hemoderivados) em mães RH negativas com feto RHD negativo e simultaneamente, determinar os fetos em risco de isoimunização RHD, planeando as intervenções futuras. A avaliação financeira tem demostrado, infelizmente, um acréscimo de custos diretos em saúde de 255 € por paciente, quando utilizada esta metodologia, em desfavor da atual (administração de Ig anti-D a grávidas RHD negativas).
Os receios associados à implementação da técnica são os resultados falsamente positivos, negativos ou inconclusivos, que poderiam ser reduzidos, utilizando a amplificação de múltiplos exões do gene RHD e usando a técnica entre as 11-24 semanas de gestação.
Em conclusão, existe evidência para o uso do TPNNISM para GTRHD, com o objetivo da imunoprofilaxia seletiva de grávidas RHD negativas com fetos RHD positivos e para a orientação clínica pré-natal de fetos RHD positivos.
A aplicação do TPNNISM na GTRHD não evitará completamente o risco de doença hemolítica do feto/recém-nascido, nos casos de aloimunização aos outros grupos sanguíneos não-RHD. Futuramente, serão necessários estudos adicionais, em populações com maior diversidade étnica, para avaliar o impacto da genotipagem não-RHD pelo ADNfcSM.
Por Maria de Carvalho Afonso | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia, Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Medicina da Reprodução – Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
Tem-se assistido a um aumento crescente da taxa de cesarianas e, com ela, ao risco de complicações em gestações futuras, nomeadamente o acretismo placentário (AP). O AP associa-se a desfechos maternos adversos, tais como o choque hemorrágico, a coagulopatia, a falência multiorgânica e morte. Não existem estudos aleatorizados sobre a melhor abordagem em caso de AP, mas diversas sociedades internacionais (FIGO, 2018 e ACOG, 2018), têm publicado guidelines com base na opinião de experts. Apesar da sua prevalência se encontrar a aumentar, sobretudo em países onde a taxa de cesarianas é maior, o AP continua a ser em Portugal um evento relativamente raro.
O estudo publicado na ACTA MÉDICA PORTUGUESA reporta a experiência de um centro de referência português em AP durante um período de 10 anos e enfatiza três pontos que foram fundamentais para a ausência de mortalidade materna, falência multiorgânica e necessidade de reoperação nesta pequena série de casos: 1) o diagnóstico ecográfico precoce de todos os casos de AP -em média às 26 semanas de gestação, 2) a existência de uma equipa multidisciplinar experiente (equipa da placenta acreta, constituída por Obstetras, Anestesiologistas, Ginecologistas com experiência cirúrgica, Urologistas, Radiologistas de intervenção e Imunohemoterapeutas) e 3) a realização programada de cesariana em 13 dos 15 casos de AP.
Assim, em todas as grávidas com cesariana anterior ou com placenta prévia, na ecografia das 20-24 semanas deve ser realizada uma avaliação detalhada dos sinais de acretismo placentário. E, em caso de suspeita, referenciar a gravidez a um centro com experiência em AP, de modo a permitir o planeamento atempado do parto por uma equipa experiente. Só assim será possível reduzir a morbilidade materna e neonatal associada ao AP.
Por Teresa Costa Castro | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário de São João / Assistente Convidada, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Nas gestações monocoriónicas (MC), a restrição de crescimento fetal selectiva (RCFs) está associada a um risco elevado de morbilidade e mortalidade perinatal. A orientação destes casos é difícil, sendo importante distinguir as gestações que podem ser tratadas de forma conservadora, com segurança, das que beneficiam de intervenção fetal.
O estudo publicado no BJOG avaliou, retrospectivamente, 108 gestações MC, complicadas por RCFs tipo II, diagnosticadas antes das 27 semanas, num período de 6 anos, num único centro. Teve como objetivo analisar o desfecho perinatal e o neurodesenvolvimento a longo prazo, nestas gestações, de acordo com a orientação terapêutica (atitude expectante, coagulação laser seletiva das anastomoses placentares por fetoscopia (CLSF), coagulação do cordão umbilical (CCU)) .
Os autores concluíram que: em gestações com discordância de crescimento fetal (DCF) <30% e sem alterações do DV, a atitude expectante é adequada (sobrevivência de ambos os fetos de 77.8%); a CLSF não é uma boa opção em gestações com RCFs tipo II (61.5% de mortalidade do feto restrito nas primeiras 24h e 23.1% do co-gémeo); a CCU é uma opção válida, para proteção do feto com crescimento normal, nas gestações com DCF>30% e alterações do DV; o neurodesenvolvimento a longo prazo não é influenciado pela opção terapêutica.
Este estudo apresenta, como pontos fortes, o elevado número de doentes incluídas (é o maior estudo de coorte conhecido, com avaliação do neurodesenvolvimento a longo prazo, em gestações com RCFs tipo II, submetidas a atitude expectante ou intervenção fetal).
Como limitações podemos referir o desenho retrospectivo, com viés de seleção para tratamento (os casos mais graves foram mais frequentemente submetidos a intervenção fetal, o que pode contribuir para os bons resultados do grupo submetido a atitude expectante); e o número reduzido de casos submetido a avaliação do neurodesenvolvimento, por perda de seguimento (particularmente no grupo de CLSF).
Por Carolina Vaz de Macedo | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia no Hospital Garcia de Orta / Assistente Convidada do Laboratório de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa / Mestre em Genética Pré-Natal e Medicina Fetal
Este estudo pretende contribuir para um tema controverso: a utilização de arrayCGH como teste de primeira linha em DPN invasivo. A mais-valia do arrayCGH está bem estabelecida na presença de malformações fetais ao permitir, pela sua maior resolução, o diagnóstico de pequenas duplicações ou deleções cromossómicas que não seriam detetáveis por cariótipo. Já em fetos estruturalmente normais, a ACOG tem a posição não comprometedora de que tanto se poderá optar por cariótipo como por arrayCGH. Em Israel, onde este estudo foi realizado, o arrayCGH é oferecido como teste preferencial.
Neste estudo retrospetivo foram avaliados os resultados dos arrayCGH realizados na ausência de uma indicação específica para este teste – ecografias normais sem história familiar de alteração cromossómica. Comparativamente com estudos anteriores, este trabalho tem uma grande amostra (6431 gestações do grupo de “baixo-risco”) e procurou avaliar desfechos, embora com limitação por perda de seguimento. Foram encontradas variantes patogénicas ou provavelmente patogénicas que não seriam diagnosticáveis por cariótipo em 0,36% dos casos [23/6431 – 0,4% se forem incluídas variantes de dimensão diagnosticável por cariótipo]. Naturalmente foram também encontradas variantes de significado incerto (VOUS – 2,0% dos casos) e variantes de suscetibilidade para doença (0,7% dos casos para risco de desenvolvimento de doença de pelo menos 10%).
Os autores concluem provocatoriamente que, se oferecemos DPN invasivo perante um risco de trissomia 21 igual ou superior a 1:250, não há motivo para não o fazermos também perante um risco de 0,4%, portanto 1:238, de alteração cromossómica diagnosticável por arrayCGH na população de baixo risco. Haverá, no entanto, que considerar o princípio de primum non nocere, com uma reflexão mais cuidada sobre o impacto do diagnóstico de VOUS e variantes de suscetibilidade. Enquanto aguardamos os desenvolvimentos do tema a nível internacional, este estudo permite-nos para já uma boa noção da questão em apreço.
Por Susana Sarzedas | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia. Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas, Lisboa
A hemorragia pós-parto é uma principais causas de morbilidade e mortalidade materna a nível mundial. A escolha deste artigo prende-se com a importância da prevenção desta relevante complicação obstétrica. O ácido tranexâmico (ATNX) é um antifibrinolítico prevenindo a dissolução do coágulo com consequente redução das perdas sanguíneas nas cirurgias e na hemorragia pós-parto (HPP) sendo por isso consensual a sua utilização nos protocolos de tratamento da HPP. O benefício da administração de ATNX num contexto profilático ainda estava por esclarecer.
Trata-se de um estudo (TRAAP2) multicêntrico, duplamente cego, randomizado e controlado que envolveu 4153 mulheres, submetidas a cesariana, antes ou após início do trabalho de parto, que foram selecionadas para fazer profilaticamente ATNX (1g) ou placebo. A administração foi efetuada, nos primeiros 3 minutos pós-parto, durante 30 a 60 segundos e após administração dos uterotónicos convencionais. A caracterização dos 2 grupos foi semelhante, incluindo na presença de fatores de risco para HPP. A perda de sangue foi avaliada nas 2h pós-parto e por colheita de sangue venoso ao 2º dia pós-parto. A hemorragia pós-parto foi definida como uma perda de sangue superior a 1000mL ou necessidade transfusional até ao 2º dia pós-parto. A HPP ocorreu em 26,7% das mulheres no grupo do ATNX e em 31,6% das mulheres no grupo placebo. A diferença de eventos tromboembólicos, nos primeiros 3 meses após o parto, não foi significativa entre os grupos.
Como ponto forte destaca-se a metodologia do estudo e a dimensão da amostra. Como limitações salienta-se o reduzido número de critérios de exclusão e as dificuldades na avaliação quantitativa das perdas hemáticas.
Resumindo, o estudo demonstrou que mulheres submetidas a cesariana a quem foi administrado profilaticamente, além do uterotónico, ATNX tiveram o benefício clínico de ter uma menor incidência de HPP.
Por Fernando Jorge Costa | Assistente Hospitalar Graduado – Serviço de Obstetrícia A, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – CHUC
Trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise sobre a relação da endometriose com desfechos obstétricos patológicos. O espessamento da “junctional zone” uterina, sobretudo em mulheres com endometriose grave, pode causar anomalias da placentação e eventos adversos fetais e maternos (morte fetal, pré-eclâmpsia, placenta prévia, descolamento placentário, hemorragia pós-parto) e, pelo aumento de substâncias pró-inflamatórias e atividade macrofágica, pode associar-se a contrações pré-termo.
Os autores encontraram os seguintes odds-ratio: hipertensão gestacional (14 estudos) 1,14; pré-eclâmpsia (21 trabalhos) 1,19; baixo peso ao nascer (14 publicações) 1,22; LIG (22 estudos) 1,05; parto pré-termo (33 publicações) 1,46; placenta prévia (24 trabalhos) 2,99; DPPNI (20 estudos) 1,4; cesarianas (28 publicações) 1,49; mortes fetais (9 artigos) 1,27 e hemorragia pós-parto (15 estudos) 1,05. O hemoperitoneu e a perfuração espontânea do intestino na gravidez, apesar de poucos casos publicados, parecem ter risco aumentado.
Como pontos fortes de realçar a cuidada análise estatística; incluindo apenas estudos cohort (39), reportados desde os anos 70, a maioria com publicações nos últimos 5 anos e originários de Itália, EUA, Japão e Escandinávia. Como pontos fracos, a inclusão de apenas artigos full-text inglês; a existência de viés de seleção em relação à própria endometriose (grau, localização); e paridade e PMA como eventuais variáveis intermediárias em alguns resultados. De realçar que alguns outcomes foram obtidos por questionário, que alguns trabalhos não distinguiram parto pré-termo espontâneo de induzido e que o aumento das cesarianas verificado não diferenciou as eletivas das urgentes.
Assim, o diagnóstico de endometriose (prevalência de 10% em idade fértil) deve funcionar como agravante de risco em vários quadros obstétricos, sobretudo no âmbito de eventos críticos. A endometriose aumenta o risco de: hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, parto pré-termo, placenta prévia, descolamento prematuro da placenta normalmente inserida, morte fetal e de cesarianas. O hemoperitoneu e a perfuração intestinal espontâneos, raros, parecem, também, ligados à endometriose.
Por Ana Luísa Areia | Serviço de Obstetrícia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra- Coimbra, Portugal / Universidade de Coimbra – Faculdade de Medicina
A aspirina é um agente eficaz para reduzir a incidência da pré-eclâmpsia pré-termo (PE-PT), mas numa proporção de mulheres de alto risco, o seu uso não impede o aparecimento desta patologia.
Este artigo constitui análise secundária dos dados do ensaio ASPRE, cujo objetivo foi examinar os possíveis fatores de risco entre características maternas, história médica e obstétrica, biomarcadores específicos da pré-eclâmpsia e riscos estimados relacionados com o desenvolvimento da PE-PT, apesar da profilaxia com aspirina.
A população do estudo consistiu em grávidas unifetais consideradas de alto risco para PE-PT com base no algoritmo da Fetal Medicine Foundation, que aleatoriamente efetuaram aspirina (150 mg/dia) versus placebo; recrutaram 1.592 mulheres, cuja incidência de PE-PT foi de 3,0%.
Após avaliação de todas as variáveis de estudo, esta investigação concluiu: primeiro, na previsão da PE-PT há uma interação significativa entre o uso de aspirina e a hipertensão crónica. Assim, mulheres de alto risco com hipertensão crónica tratadas com aspirina permanecem em alto risco, enquanto que, a utilização de aspirina em mulheres sem hipertensão crónica está associada a uma redução significativa de PE-PT. Segundo, nas mulheres com resultados de muito alto risco (risco estimado ≥1 em 50), em comparação com risco estimado de 1 em 51 para 1 em 100, existe um risco maior de desenvolver PE-PT. Em terceiro lugar, a baixa concentração de PlGF (<0.712 MoM) está associada ao desenvolvimento de PE-PT, apesar da profilaxia com aspirina.
Esta análise secundária baseou-se em dados bem recolhidos num RCT mas este estudo só foi capaz de demonstrar fatores de risco entre fatores maternos, biomarcadores e riscos estimados, não permitindo uma análise exploratória de outras causas de desenvolvimento da PE-PT, apesar da profilaxia com aspirina.
Assim, este artigo ajuda a determinar quem precisamos de acompanhar mais minuciosamente durante a gravidez, apesar da profilaxia com aspirina.
Por Sara Tavares | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar Universitário de São João
A rotura uterina é uma emergência obstétrica com morbilidade e mortalidade, tanto materna quanto perinatal, significativa. O principal fator de risco para rotura uterina é o parto prévio por cesariana. Sabe-se que existem fatores como o tipo de incisão uterina prévia que aumentam este risco. O parto pré-termo por cesariana tem sido apresentado como um possível fator de risco adicional para rotura uterina. Assim, a conduta perante este tipo de situações pode gerar algumas dúvidas.
O estudo publicado no AJOG teve como objetivo avaliar o risco de rotura uterina em trabalho de parto em mulheres com uma cesariana anterior pré-termo comparativamente com mulheres com uma cesariana anterior a termo.
Este estudo de coorte populacional avaliou o desfecho do parto subsequente em 9300 mulheres com antecedentes de parto por cesariana pré-termo e 57168 mulheres com antecedentes de parto por cesariana a termo. O desfecho principal foi rotura uterina; foram também avaliados outros desfechos secundários nomeadamente o descolamento de placenta.
Ocorreu rotura uterina em 1,1% dos casos do grupo de cesariana anterior pré-termo e em 1,4% no grupo de cesariana anterior a termo sendo que esta diferença não foi estatisticamente significativa após ajuste para fatores de confundimento exceto em intervalos > a 36 meses entre partos.
Os autores concluíram que não só não existe um risco aumentado de rotura na cesariana anterior pré-termo como parece haver uma diminuição do risco quando comparada com cesariana a termo em intervalos > a 36 meses entre partos. Existe, no entanto, um risco aumentado de descolamento de placenta que se manteve após ajuste para fatores de confundimento.
Como pontos fortes deste estudo são de referir a natureza prospetiva do mesmo e o tamanho da amostra. As limitações prendem-se com a ausência de dados sobre os métodos de maturação cervical e progressão do trabalho de parto.
Por Inês Marques | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
A doença hipertensiva da gravidez é um conhecido factor de risco cardiovascular. A pré-eclâmpsia está associada a disfunção cardiovascular pós-natal e a um risco cardiovascular a longo prazo (risco de coronariopatia isquémica, de enfarte, de hipertensão arterial e de mortalidade cardiovascular em particular no caso de pré-eclâmpsia pré-termo). Podem estes eventos adversos hipertensivos ser entendidos como factores de risco, mas também uma oportunidade de prevenção primária para melhorar a saúde cardiovascular no período pós-natal. A evidência científica confirma o efeito cardioprotector dos IECAs e a segurança da sua utilização no puerpério.
O estudo PICK UP (Postnatal Enalapril to Improve Cardiovascular Function Following Preterm Preeclampsia) – ensaio randomizado duplo-cego controlado por placebo, foi realizado com o objectivo de avaliar a eficácia da terapêutica com enalapril na melhoria da função cardiovascular no período pós-natal em mulheres com pré-eclâmpsia pré-termo.
Foi efectuada ecocardiografia até 3 dias, 6 semanas e 6 meses após o parto, em 60 mulheres (30 medicadas com 20 mg de enalapril e 30 mulheres medicadas com placebo). Verificou-se uma prevalência importante de alterações ecocardiográficas e disfunção diastólica nas 60 mulheres. As mulheres tratadas com enalapril apresentaram uma melhoria da função diastólica com consequente redução do risco cardiovascular a longo prazo.
Estes resultados deverão ser confirmados em ensaio randomizado multicêntrico.
O período pós-natal constitui uma janela no rastreio e na prevenção primária, sendo uma oportunidade de intervenção na saúde cardiovascular da mulher e de melhoria dos desfechos obstétricos futuros.
Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia / Hospital CUF Torres Vedras
Este estudo teve por objetivo conhecer o que sente a mulher aquando da realização da versão cefálica externa (VCE). Foram contactadas todas as gestantes sujeitas a VCE num determinado intervalo temporal e convidadas a participar numa entrevista telefónica estruturada. Das 66 mulheres que responderam, a maioria considerava a manobra como alternativa à cesariana e 22,7% tinham experimentado outras técnicas; um quinto disse ter necessitado de mais informação sobre a VCE do que a facultada; 48,5% reportaram dor intensa durante a VCE e 12,1% dor insuportável; um terço referiu estar ansiosa antes da manobra e 15% arrependeram-se de a ter realizado. Cerca de dois terços aceitariam repetir a manobra numa futura gestação e recomendariam a um familiar/amiga fazê-lo. No estudo não se verificou associação entre o sucesso da VCE e a intensidade da dor referida.
Apesar de ser um estudo pioneiro em Portugal sobre a perceção da grávida quando submetida a VCE, procedimento incómodo e que, em algumas grávidas, se pode tornar intolerável, foram considerados pontos fracos tratar-se de um estudo retrospetivo com uma pequena amostra e em que o elevado grau de literacia das mulheres, assim como todas provirem de um grande centro urbano, poder não ser representativo do que pensa a grávida portuguesa; da mesma forma, viés nas respostas relacionados com a vontade em evitar a cesariana, assim como viés na memória, decorrente de diferentes intervalos de tempo entre a VCE e a entrevista, foram igualmente considerados pontos fracos.
No contexto social atual, em que muitas das manobras e atitudes realizadas pelos que se dedicam à prática obstétrica podem ser vistos como atentados contra a sua integridade, o conhecimento de como a gestante perceciona essas experiências permite uma melhor transmissão da informação e a obtenção de um consentimento informado consciente e responsável.
Por Maria José Monteiro de Morais | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia, Hospital de Braga E.P.E
A definição clássica de pré-eclampsia é baseada na presença de hipertensão e proteinúria. É reconhecido que mulheres com hipertensão crónica ou gestacional irão desenvolver complicações tipicamente associadas à pré-eclampsia sem se enquadrar nos critérios clássicos pelo que esta definição tem sido expandida para incluir evidência de lesão de órgão alvo ou disfunção uteroplacentar.
Este estudo, prospetivo e de coorte, multicêntrico, incluiu 15248 gestações unifetais, com avaliação entre as 35 0/7– 36 6/7 semanas. Foram examinadas todas as referências a hipertensão crónica ou hipertensão de novo com pré-eclâmpsia, sendo esta definida de cinco formas: critérios clássicos; definição do American College of Obstetricians (ACOG) 2013; definição da International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHP) associada a fatores maternos (ISSHP-M); ISSHP associada a fatores materno-fetais (ISSHP-MF), e a quinta definição que incluía marcadores angiogénicos (ISSHP-MF-AI).
Pré-eclampsia foi menos comum com a definição clássica (1,8%) aumentando progressivamente até 3,3% na definição ISSHP-MF-AI. Este aumento da prevalência associou-se a uma melhor identificação de grávidas em risco de eventos perinatais adversos com taxas semelhantes de falsos positivos.
Os principais outcomes incluíam hipertensão severa, mortalidade ou morbilidade materna e perinatal major. Hipertensão severa foi mais comum na definição ISSHP-MF-AI (66.9% vs 40,6% nos critérios clássicos). Os eventos maternos adversos foram mais comuns em todas as outras definições quando comparadas com os critérios clássicos (100% vs 72,2%, p=0,046). Os eventos perinatais adversos foram também tendencialmente mais frequentes nas definições mais alargadas (46,9% até 71,1% na ISSHP-MF-AI, p=0,002).
Estes achados evidenciam da necessidade de adoção de critérios alargados de pré-eclampsia, que conseguem identificar mais mulheres e fetos em risco de eventos adversos. Sugerem também que as definições da ISSHP identificam melhor estas mulheres e que a adição de diagnóstico de disfunção uteroplacentária otimiza esta identificação, principalmente quando são integrados fatores angiogénicos.
Por Cristina Godinho | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho
A placenta prévia de inserção anterior e o antecedente de cirurgia uterina são habitualmente referidos como principais fatores de risco para a ocorrência de acretismo placentário (AP). O diagnóstico pré-natal de AP é muito importante, permitindo planear o procedimento cirúrgico com equipa multidisciplinar experiente e assim contribuir para a obtenção de um melhor desfecho cirúrgico materno.
A acuidade diagnóstica da ecografia e ressonância magnética na placentação invasiva tem sido descrita como muito elevada (sensibilidade e especificidade superiores a 90%).
Esta revisão sistemática centra-se num grupo particular de AP: placenta de inserção posterior.
Se por um lado os autores registam fatores de risco semelhantes para AP posterior ou anterior (presença de placenta prévia ou antecedentes de cirurgia uterina), por outro alertam para a diminuição franca da acuidade diagnóstica ecográfica no caso da AP posterior: cerca de metade dos casos. Apesar da limitação casuística este é o primeiro estudo de revisão dedicado ao AP de inserção posterior alertando para a dificuldade de diagnóstico e para a valorização da presença de múltiplos fatores de risco maternos durante a avaliação ecográfica detalhada da placenta.
Por Rui Marques de Carvalho | Assistente Hospitalar Graduado – Serviço de Obstetrícia – Hospital de Santa Maria/CHULN
A restrição de crescimento fetal (RCF) precoce, especialmente quando muito distante do termo, constitui um importante desafio na vigilância e na decisão de quando interromper a gravidez. Neste contexto, assume importância primordial o equilíbrio entre o risco de morte fetal pela adopção de uma atitude expectante e as consequências da prematuridade iatrogénica. A conduta generalizada não considera exclusivamente a avaliação da artéria umbilical em idades gestacionais inferiores a 30 semanas como útil na decisão de terminar a gravidez. Assim, este trabalho, mediante a adopção de uma atitude proactiva, baseada na ausência ou inversão de fluxos diastólicos na artéria umbilical, pretende demonstrar a necessidade de se reformularem protocolos de actuação na gestão desta entidade patológica.
Este estudo, retrospectivo, abrangeu um período compreendido entre 1998 e 2015. Foram comparados os desempenhos perinatais e neuro-desenvolvimento aos 2 anos, de fetos com RCF precoce, com menos de 30 semanas, em que foram terminadas as gravidezes, com base na ausência ou inversão de fluxo diastólico na artéria umbilical (N=139), com fetos com crescimento adequado à idade gestacional e sem alterações fluxométricas (N=946). Os resultados a destacar incluem mortalidades fetal e perinatal semelhantes, com sobrevivência aos dois anos e taxas de paralisia cerebral sobreponíveis. Não obstante, a sobrevivência sem anomalias do neuro-desenvolvimento foi mais baixa nos fetos com restrição de crescimento (62% vs 83%, P<0,001) relativamente aos sem restrição, com diferenças ainda mais acentuadas em idades gestacionais inferiores a 26 semanas. Este estudo pode apontar numa mudança de paradigma da nossa actuação clínica, sendo, no entanto, recomendada a realização de estudos prospectivos para a sua avaliação.
Por Inês Nunes | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Materno-Infantil do Norte – CMIN, Centro Hospitalar e Universitário do Porto – CHUPorto.
Professora Auxiliar Convidada do ICBAS – School of Medicine and Biomedical Sciences, Universidade do Porto, Porto
O parto atempado em fetos com suspeita de restrição de crescimento fetal (RCF) é um equilíbrio difícil entre prevenção da mortalidade e minimização da prematuridade – muitos fetos com suspeita de RCF apresentam crescimento normal.
Este estudo de coorte retrospetivo, populacional, incluiu dados sobre desenvolvimento infantil de 181902 crianças e dados sobre resultados escolares de 425717 crianças, de Victoria, Austrália. Crianças marcadamente pequenas para a idade gestacional (PIG), ou seja com estimativa de peso fetal (EPF) < P3, que nasceram precocemente (IG média de 37.9 semanas) por suspeita de RCF apresentaram significativamente maior probabilidade de estarem no P10 em 2 ou mais de 5 domínios do desenvolvimento ao iniciar a escola primária (16.2% vs 12.7%; aOR 1.36 (IC 95%, 1.07-1.74)) e de estar abaixo do padrão mínimo nacional em 2 ou mais de 5 domínios educacionais no 3º, 5º e 7º anos (ie, no 7º ano: 13.4% vs 10.5%, aOR 1.33 (IC 95%, 1.04-1.70)), comparativamente com crianças marcadamente PIG sem suspeita de RCF (IG média de 39.4 semanas). Crianças com crescimento normal (EPF ≥ P10) que nasceram precocemente por suspeita de RCF não diferiram significativamente no desenvolvimento ou nos resultados escolares de crianças com crescimento normal sem suspeita de RCF (IG média, 38.0 vs 39.1 semanas).
Como pontos fortes saliento: grande amostra de base populacional e follow-up a longo prazo. Como limitações principais, entre outras: natureza retrospetiva não permitindo inferir relações causais – alguns aspetos que interferem no sucesso escolar não puderam ser aferidos (p.e. tabaco ou álcool na gravidez) e informação limitada sobre biometria fetal, estudos Doppler e outros marcadores de patologia.
Assim, neste estudo exploratório, o parto iatrogénico por suspeita de RCF em fetos marcadamente PIG associou-se a piores resultados escolares. O parto iatrogénico por suspeita de RCF em fetos com crescimento normal não se associou a maus resultados escolares.
Por Carla Baleiras | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia. Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas. Lisboa
A restrição de crescimento fetal (RCF) é uma das principais causas de morbimortalidade perinatal e de sequelas a longo prazo. Ao contrário da RCF precoce, não é fácil fazer o diagnóstico de RCF após as 32 semanas, apesar de esta última ser mais prevalente.
O que dá destaque a este artigo é o facto de os autores evidenciarem a importância da ecografia do 3º trimestre no diagnóstico da RCF, o que vem justificar a implementação por rotina deste exame, que em alguns países ainda não se encontra generalizada, sobretudo em gestações de baixo risco. Para isso, os autores compararam a proporção de RCF detetada pela ecografia do 3º trimestre de rotina com a proporção de RCF detetada na ecografia do 3º trimestre seletiva (baseada em medições seriadas da altura uterina), em gestações de baixo risco. A taxa de deteção da RCF e da RCF grave (<P3) foi superior no grupo que fez ecografia de rotina (52,8% e 66,7%, respetivamente) versus 7,7% e 8,3% no grupo da ecografia seletiva (p < 0,001).
A conclusão foi de que, em gestações de baixo risco, a ecografia de rotina efetuada entre as 36+0 e as 37+6 semanas é superior à ecografia seletiva na deteção de RCF.
Como pontos fortes, salienta-se a metodologia do estudo e a dimensão da amostra. Como limitação salienta-se o facto deste estudo a ter sido realizado num único centro terciário privado.
O estudo não foi desenhado para detetar diferenças na morbimortalidade perinatal entre os grupos. No entanto, a associação da morte fetal in útero com as alterações do crescimento fetal não diagnosticadas, vem dar relevância ao uso por rotina da ecografia do 3º trimestre, preferencialmente entre as 36 e as 37 semanas de gestação.
Por Maria do Céu Almeida | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia Ginecologia do Serviço de Obstetrícia B – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Esta meta-análise de estudos RCTs (usando a metodologia Cochrane) pretende avaliar a eficácia na utilização da heparina de baixo peso molecular (HBPM) na prevenção da pré-eclâmpsia (PEC) e outras complicações relacionadas com distúrbios placentários – PROSPERO.
Foram incluídos 15 estudos envolvendo 2795 mulheres em que se comoaram desfechos entre populações tratadas com HBPM (associada ou não a aspirina) com populações em que não se utilizou HBPM ou em que apenas foram medicadas com aspirina isoladamente (em mulheres de alto risco para PEC). Outcomes: primário – desenvolvimento de PEC (critérios da ISSHP ou ACOG) e os secundários – RCF ou pequenos para a idade gestacional (PIG), morte perinatal, HELLP, eclâmpsia ou morte materna. Foi também analisada a presença de efeitos secundários como hemorragia, alergia relacionada com o tratamento e trombocitopenia. Foram efetuadas subanálises para associação de HBPM e aspirina, idade gestacional do início do tratamento, presença de trombofilias e tipo de heparina administrada.
Na prevenção da PEC, o uso de HBPM (enoxaparina e dalteparina foram semelhantes) antes das 16 semanas reduziu significativamente a PEC (tanto em uso isolado como associada a aspirina) independente da presença ou não de trombofilias. Esta redução também se verificou nos PIG (mais com a dalteparina) e na mortalidade perinatal. Não se verificaram diferenças nos outros outcomes secundários. Dos efeitos secundários houve diferença na maior reação alérgica cutânea no grupo tratado com HBPM. No subgrupo da associação HBPM e aspirina a redução da PEC foi superior ao do subgrupo que fez aspirina isolada.
Como ponto forte do estudo salienta-se a dimensão da amostra que permitiu abordar aspetos ainda não estudados como a presença ou não de trombofilias, o tipo de HBPM e o estudo dos efeitos secundários. A grande limitação da meta-analise é a qualidade metodológica dos estudos incluídos que variaram entre moderada a baixa.
Os autores concluem que é necessário mais estudos para confirmar que a terapêutica conjunta de aspirina e HBPM seja melhor que a aspirina isolada na prevenção da PEC nas gestações de alto risco.
Por Inês Martins | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia Serviço de Obstetrícia; Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução; Hospital de Santa Maria – CHULN
Compreender os efeitos da doença COVID-19 na gravidez tem sido um desafio, mas uma avaliação de como a COVID-19 enquanto pandemia afetou os desfechos maternos e perinatais é crucial pelas importantes implicações para a saúde pública.
O objetivo desta revisão sistemática e meta-análise foi avaliar os efeitos da pandemia COVID-19 (e não apenas nas grávidas infetadas) nos desfechos maternos, fetais e neonatais.
Os resultados sugerem que alguns desfechos pioraram globalmente em relação ao período pré-pandémico: aumento da mortalidade materna (pooled OR 1,37 [1,22–1,53]), dos nados-mortos (pooled OR 1,28 [95% CI 1,07–1,54]) e da gravidez ectópica com necessidade de resolução cirúrgica (OR 5,81 [2,16-15,6]); e pior saúde mental das grávidas (Edinburgh Postnatal Depression Scale: diferença de médias 0,42 [95% CI 0,02-0,81]).
Quanto ao parto pré-termo os resultados são díspares entre populações, mantendo-se globalmente estável a sua ocorrência (pooled OR 0,94 [0.87–1,02]), mas nos países com maior desenvolvimento é aparente uma tendência de diminuição do PPT <37s e do PPT espontâneo (pooled OR 0,91 [0,84–0,99] e 0,81 [0,67–0,97], respetivamente).
A análise estará limitada pela recolha retrospetiva de dados, heterogeneidade das populações e enviesamento de seleção associado à alteração da procura e da disponibilidade de acesso aos cuidados de saúde. Não perdem importância, contudo, as mortes maternas e fetais potencialmente evitáveis, nem o aparente impacto positivo das medidas adotadas nos países mais desenvolvidos na inesperada redução do risco de PPT<37s e de PPT espontâneo em 9% e 19%, respetivamente.
Como nos apontam os autores, a reestruturação dos serviços tem mostrado que bons cuidados de saúde por via remota são exequíveis; a redução do tempo de permanência hospitalar é alcançável; e que problemas difíceis podem ser resolvidos pela articulação de financiamento, investigação científica e vontade política. Tiremos proveito destas lições e que possamos reduzir o PPT e a morbimortalidade materna e perinatal.
Por Cristina Fadigas | Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Unidade de Ecografia – Hospital CUF Descobertas
A pré-eclâmpsia (PE) está associada a complicações materno-fetais. O rastreio de PE no primeiro trimestre, pela combinação de dados maternos, artérias uterinas (ArtU-IP), pressão arterial (PA) e bioquímica pode identificar cerca de 90% dos casos de PE precoce (<32s), 75% da PE pré-termo (<37s) e 40% da PE de termo (>37s). A utilização de aspirina (AAS) na população de alto risco, reduz 90% a PE<32s e 60% a PE<37s, não tendo efeito na PE de termo. Assim, mesmo com AAS, continua a haver risco de PE em qualquer idade gestacional
Este estudo incluiu 96678 grávidas avaliadas às 19-24s e permitiu desenvolver um modelo de cálculo de risco de PE a partir dos dados maternos, ArtU-IP e PA. Foram estabelecidos diferentes cut-offs para estratificar a população em categorias de risco (muito alto, alto, intermédio e baixo) e detectar 80%, 85%, 90% e 95% dos casos de PE <28s, <32s e <36s. O desempenho deste modelo foi comparado com o de outros modelos, nomeadamente, combinação de dados maternos e ArtU-IP, cut-off fixo de ArtUt-IP e cut-off de percentil das ArtUt-IP. Constatou-se que o modelo proposto é o que tem melhor desempenho para rastrear PE em todas as idades gestacionais e pode ser utilizado para identificar as grávidas que requerem avaliações adicionais às 28s e 32s.
Os pontos fortes do estudo incluem a dimensão da amostra, o cálculo do risco a-priori da grávida e a elaboração de um modelo que permite estimar o risco específico da grávida, tornando possível estratificar e individualizar a sua vigilância. Porém, falta determinar se a implementação deste protocolo melhora o desfecho perinatal.
Este modelo já se encontra disponível no website da Fetal Medicine Foundation e no software de programas de ecografia certificados, pelo que o artigo ajuda a interpretar resultados que possam constar nos relatórios ecográficos.
Por Carla Marinho | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia – Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Penafiel
Apesar do conhecimento e experiência clínica acumulados, ainda permanecem muitas dúvidas relativamente aos possíveis efeitos da infeção por SARS-CoV2 na gravidez assim como à necessidade de uma vigilância obstétrica e ecográfica diferenciada após infeção materna.
Os autores propõem-se descrever e comparar os achados ecográficos, incluindo avaliação da fluxometria fetal Doppler, em grávidas SARS-CoV2 positivas à data da realização do exame (ou teste positivo até uma semana após), com grávidas SARS-CoV2 negativas.
É um estudo retrospetivo de caso-controlo, no qual as grávidas SARS-CoV2 positivas foram emparelhadas com grávidas negativas (grupo controlo) por idade, paridade, índice de massa corporal e idade gestacional à data da ecografia. Avaliou-se a biometria e anatomia fetais, volume de líquido amniótico, índice de pulsatilidade das artérias umbilical e cerebral média, rácio cérebro-placentar e perfil biofísico fetal. O outcome primário foi a existência de um desfecho pré-natal adverso, definido como a presença de um ou mais dos seguintes critérios: feto pequeno para a idade gestacional, oligoâmnios, perfil biofísico alterado, alterações na fluxometria Doppler ou morte fetal.
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na prevalência de achados ecográficos anormais ou alterações da fluxometria Doppler entre os 2 grupos ou entre grávidas SARS-CoV2 positivas assintomáticas/sintomas ligeiros ou com sintomas graves.
Permanece a dúvida se os cuidados pré-natais devem ser modificados após infeção materna, contudo, a ausência de sinais ecográficos fetais específicos em grávidas SARS-CoV2 positivas, sugere que a realização de avaliações ecográficas adicionais em fetos com crescimento normal, não parecem ser necessárias.
O tamanho da amostra e os 2 grupos terem sido emparelhados quanto às principais características clínicas é um ponto forte deste estudo. Porém, o facto de não terem sido testadas todas as mulheres aquando da realização da ecografia, destaca-se como um dos seus principais pontos negativos.
Por Alexandra Miranda | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga / Assistente Convidada da Escola de Medicina da Universidade do Minho
A Pré-Eclâmpsia é uma síndrome multissistémico que complica cerca de 5% das gravidezes, sendo responsável por aproximadamente 14% da mortalidade materna. A infeção por SARS-CoV-2 na gravidez parece aumentar o risco de eventos adversos (internamento nos Cuidados Intensivos, ventilação mecânica invasiva e morte materna). No entanto, a sua relação com o risco de patologia obstétrica, nomeadamente Pré-Eclâmpsia, ainda está pouco esclarecida. A resposta inflamatória sistémica materna exagerada é um dos possíveis mecanismos biologicamente plausíveis para o eventual aumento de risco desta complicação da gravidez.
O presente estudo descreve uma revisão sistemática e meta-análise para determinar se a infeção por SARS-CoV-2 na gravidez aumenta o risco de Pré-Eclâmpsia. Os autores definiram como desfecho primário a Pré-Eclâmpsia e como desfechos secundários a Pré-Eclâmpsia com ou sem critérios de gravidade, Eclâmpsia e o Síndrome HELLP.
Foram incluídos 28 estudos observacionais publicados entre dezembro/2019 e maio/2021, envolvendo 790 954 grávidas, das quais 15 524 diagnosticadas com infeção por SARS-CoV-2. Grávidas com infeção por SARS-CoV-2 apresentaram risco significativamente aumentado de desenvolver Pré-Eclâmpsia comparativamente a grávidas não infetadas (OR 1,58; 11 estudos). A infeção por SARS-CoV-2 durante a gravidez associou-se, de forma estatisticamente significativa, a maior risco de Pré-Eclâmpsia com critérios de gravidade (OR 1,76; 7 estudos), Eclâmpsia (OR 1,97; 3 estudos) e Síndrome HELLP (OR 2,10; 1 estudo). A infeções por SARS-CoV-2 (sintomática ou assintomática) aumentou significativamente o risco de Pré-Eclâmpsia (OR de 2.11 e 1.59, respetivamente). Os profissionais de saúde devem estar alerta para esta associação de forma a diagnosticar precocemente Pré-Eclâmpsia em grávidas com infeção por SARS-CoV-2. Como pontos fortes do estudo salienta-se o número de participantes e a pertinência/atualidade do tema. Como limitações destaca-se o reduzido número de estudos disponíveis para avaliação de alguns dos desfechos secundários.
Por Nuno Clode | Assistente Hospitalar Sénior de Obstetrícia e Ginecologia – Hospital CUF Descobertas
Com o Outono a chegar, chega também a gripe sazonal e, com o abrandamento da pandemia em que temos vivido, a maior convivência entre nós irá potenciar os casos de doença associada ao vírus Influenza.
O trabalho sugerido esta semana é um estudo retrospectivo que compara os desfechos da gestação entre grávidas hospitalizadas em trabalho de parto consoante apresentavam ou não gripe sazonal. Num período de 18 anos, e utilizando uma base de registo nacional em que foram analisadas cerca de 75 milhões de hospitalizações em trabalho de parto, as grávidas com o diagnóstico de gripe (0,2% – 171 mil) apresentaram um risco superior de morte, de sépsis e shock séptico, de necessidade de ventilação, de parto pré-termo e doença hipertensiva da gravidez; no global, o risco de morbilidade materna grave (excluindo necessidade de suporte transfusional) foi três vezes superior nas grávidas com gripe sazonal.
Embora o estudo avalie uma grande amostra representativa da população do país (E.U.A), o facto de utilizar, quer para o diagnóstico de gripe sazonal quer para os desfechos em análise, apenas os dados da codificação administrativa (variável ao longo do período em estudo) pode ter levado a erros na classificação e avaliação. Foi impossível também avaliar a importância nos desfechos analisados da idade gestacional aquando do diagnóstico da gripe, do subtipo viral, do tratamento realizado e da existência de vacinação prévia.
Em Portugal, não é conhecida a adesão das grávidas à vacinação contra a gripe. Esta é recomendada pela Direção Geral da Saúde e o conhecimento dos resultados deste estudo sugerem a que nos empenhemos a aconselhar a vacina contra a gripe às gravidas que seguimos.
Por Luís Guedes-Martins | Professor Auxiliar de Obstetrícia – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto) / Assistente Hospitalar – Obstetrícia/Ginecologia / Diretor do Centro de Medicina Fetal (Medicina Fetal Porto) – Centro Materno Infantil do Norte (Centro Hospitalar Universitário do Porto)
A ecocardiografia fetal é usada predominantemente para diagnosticar doenças cardíacas congénitas e também pode ser usada para avaliar a função cardíaca fetal, utilizando uma variedade de parâmetros.
Os autores deste trabalho demonstraram que a medição da fracção de enchimento (FEnch) e fração de ejecção (FE) recorrendo a Doppler pulsado é suficientemente reprodutível para ser utilizado na prática clínica corrente. Adicionalmente, este trabalho prospectivo determinou os intervalos de referência para FEnch e FE entre as 18 a 41 semanas de gestação em fetos normais (n= 602) e o seu potencial de aplicação clínica foi avaliado em gestações de alto risco (n=54, síndrome de transfusão feto-fetal, estenose aórtica e coarctação da aorta). São pontos fortes deste trabalho o rigor no desenho do estudo, a uniformidade técnica das medições efetuadas e o tamanho amostral relativo à população ‘normal’. Os principais pontos fracos são a limitação do tamanho amostral relativo aos fetos com patologia cardíaca e a ausência de controlo com outros parâmetros de avaliação da função cardíaca global nesta população (como por exemplo, o índice de performance miocárdica). Não obstante, ficou realçada a importância destes marcadores de função cardíaca fetal em cenários de síndrome de transfusão feto-fetal e estenose valvular aórtica.
Por Mariana Torgal | Assistente Hospital de Ginecologia e Obstetrícia / Unidade de Alto Risco Obstétrico do Hospital CUF Descobertas
A constatação de uma variedade posterior no decurso do trabalho de parto, em apresentação cefálica, está associada a taxas inferiores de parto eutócico (PE) e superiores de parto vaginal instrumentado e cesariana, assim como de maior morbilidade neonatal, quando comparada com variedades anteriores.
Numerosos estudos focaram-se em diversas estratégias para converter variedades posteriores em anteriores e assim reduzir a morbilidade materno-fetal.
Este estudo pretende avaliar se a rotação manual das variedades posteriores, em dilatação completa, aumenta a taxa de PE. A comparação das taxas de parto vaginal instrumentado, de cesariana e da morbilidade materno-fetal foram os objetivos secundários considerados.
Apesar do tempo desde a randomização até ao parto ter sido menor no grupo submetido a rotação manual, entre os dois grupos não foi significativa a diferença da taxa de PE, de partos vaginais instrumentados e de cesariana. As perdas hemáticas, a taxa de episiotomia e de lesão obstétrica do esfíncter anal foram semelhantes. As características neonatais e a duração da hospitalização materna e dos recém-nascidos foram equivalentes. Não houve registo de complicações sérias.
Trata-se de um estudo controlado e randomizado, com 2 braços paralelos balanceados. Como outros pontos fortes são de salientar o tamanho da amostra de acordo com as indicações estatísticas, a estratificação com a paridade e a confirmação ecográfica da variedade posterior assim que se constatou a dilatação completa em todos os casos incluídos. Como pontos fracos refere-se que, apesar dos autores descreverem técnicas de rotação manual, não ter sido avaliada a taxa de PE de acordo com a técnica utilizada.
Este estudo não identificou benefício na rotação manual de variedades posteriores em dilatação completa, além da redução do tempo do 2º estadio do trabalho de parto.
Por Andreia Fonseca | Assistente hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Serviço de Obstetrícia, Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
A cesariana é um dos procedimentos cirúrgicos mais frequentemente realizados em todo o mundo, verificando-se, nas últimas décadas, um aumento progressivo da incidência desta via de parto. São sobejamente conhecidas as potenciais complicações maternas decorrentes da cesariana. Atendendo à frequência com que realizamos esta cirurgia, é fulcral que, cada vez mais, procuremos afinar e melhorar a técnica cirúrgica, por forma a minimizar a morbilidade materna resultante da mesma.
Esta meta-análise teve como objetivo avaliar o impacto da extensão digital da histerotomia no sentido crânio-caudal, em comparação com a extensão digital lateral, nos desfechos adversos maternos, nomeadamente perda hemática intraoperatória, lesão dos vasos uterinos e laceração do segmento inferior. Foram incluídos seis estudos aleatorizados e controlados, perfazendo um total de 2818 mulheres submetidas a cesariana com incisão transversal no segmento inferior.
A extensão digital da histerotomia no sentido crânio-caudal diminuiu em cerca de 40% o risco de laceração do segmento inferior (RR 0,62; IC95% 0,45-0,86) e em cerca de 45% o risco de lesão dos vasos uterinos (RR 0,55; IC95% 0,41-0,73). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas para os restantes desfechos avaliados, nomeadamente hemorragia intraoperatória, necessidade de pontos hemostáticos adicionais, de suporte transfusional ou de prolongamento da histerotomia com incisão corporal. A duração do procedimento também não diferiu significativamente entre os dois grupos.
O facto de terem sido incluídos apenas estudos aleatorizados e controlados é o principal ponto forte. No entanto, os grupos não são comparáveis quanto ao estadio do trabalho de parto e as indicações cirúrgicas, bem como a existência de cesariana anterior, nem sempre foram especificadas nos estudos incluídos.
A extensão digital da histerotomia no sentido crânio-caudal é preferível à extensão digital transversal, pois reduz o risco de extensão inadvertida da histerotomia e de lesão dos vasos uterinos.
Por Alexandra Cadilhe | Assistente Graduada de Obstetrícia – Coordenadora da Unidade de Medicina Fetal e Diagnóstico Pré-Natal (UMFDPN) do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga.
O possível aumento de casos de COVID-19 secundário à diminuição das medidas de restrição e à probabilidade de surgirem novas mutações, mantém a importância da vacinação e investigação clínica nos diversos grupos em geral. As grávidas só recentemente foram incluídas em ensaios clínicos que se tornaram de particular relevância. Este artigo teve como objetivo investigar a aceitação e segurança da vacinação COVID-19 numa população de grávidas.
Trata-se de um estudo de coorte retrospetivo em 1.328 mulheres grávidas, com parto no St George’s University Hospitals- Londres entre 1 de março e 4 de julho de 2021, das quais 140 (de 491 elegíveis) receberam pelo menos 1 dose da vacina COVID-19 antes do parto. Das vacinadas, 14,3% foram-no no segundo trimestre e 85,7% no terceiro trimestre de gravidez; 90,7% receberam uma vacina de RNA mensageiro e 9,3% uma vacina de vetor viral. Das grávidas elegíveis para vacinação apenas 28,5% a aceitaram, tendo a taxa de vacinação sido inferior nas mais jovens, de classes socioeconómicas inferiores e de etnia não branca. As mulheres com diabetes prévia à gravidez, consumo habitual de medicamentos e hipertensão crónica aderiram mais à vacinação. Os desfechos obstétricos das mulheres que receberam pelo menos 1 dose da vacina foram similares aos das grávidas não vacinadas.
Como ponto forte salienta-se que foi utilizada uma coorte de mulheres grávidas vacinadas, as quais foram emparelhadas com um grupo controle de grávidas não vacinadas, contemporâneas e com perfis de risco semelhantes utilizando o método de propensity score. Como limitações, destaca-se o curto espaço de tempo a que se reporta o estudo, o número de grávidas vacinadas, o tempo médio até ao nascimento após a vacinação e nenhuma grávida ter sido vacinada no primeiro trimestre.
Em conclusão, este estudo contribuiu para a evidência de que a vacinação contra a COVID- 19 na gravidez é segura e não altera os desfechos perinatais. Salienta que menos de um terço das grávidas elegíveis aceitou a vacinação, reforçando a necessidade de sensibilização das grávidas e dos profissionais de saúde para a segurança da vacina e de se criarem estratégias de combate à baixa adesão.
Por Ricardo Santos | Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia – Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães / CINTESIS – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Várias sociedades de obstetrícia têm vindo a recomendar uma abordagem de profilaxia do trombo-embolismo venoso peri parto (TEV) baseada em risco estratificado, o que aumentou dramaticamente o uso de Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM), sobretudo após a cesariana.
Este artigo avalia, numa coorte de 24000 partos, a redução de risco de TEV e o aumento de complicações puerperais, com a introdução de um protocolo de risco, que aumentou 15x (para 15,6%) o número de puérperas sob profilaxia. Os autores concluíram que não houve diminuição estatisticamente significativa de eventos de TEV (15 antes/16 depois – 0,13%), mas o risco de complicações aumentou significativamente. Algumas complicações adicionais foram: hematoma da ferida por cada 333 puérperas tratadas; intervenção/cirurgia não planeada por cada 200; transfusão por cada 105. Nenhuma das 12 mortes registadas foi causada por TEV.
O estudo é observacional, retrospetivo e engloba 3 anos antes e 3 anos depois da intervenção, e por isso com risco de vários vieses, nomeadamente com as alterações registadas na amostra durante este período (ex. idade média, hipertensão crónica, uso de aspirina, perfil étnico). Os autores usaram métodos estatísticos adequados para considerar fatores confundidores, e foi feita análise extensa de registos clínicos ao invés de codificações administrativas, mas poderá ter falhado a identificação de complicações não tratadas na instituição.
A evidência por trás destas recomendações parece ser pouco forte, devendo ser revista. Este é talvez o estudo mais robusto do uso real das mesmas, enfatizando que esta exposição crescente de puérperas a HBPM não parece reduzir os eventos alvo e acrescenta morbilidade e custos significativos. Estes eventos são muito raros e difíceis de prever, os fatores de risco têm um valor preditivo extremamente baixo e a terapêutica tem efeitos adversos comprovados, levando a que o aforismo “mal não faz”, claramente, não se aplique.
Por Inês Nunes | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Materno-Infantil do Norte – CMIN, Centro Hospitalar e Universitário do Porto – CHUPorto.
Professora Auxiliar Convidada do ICBAS – School of Medicine and Biomedical Sciences, Universidade do Porto, Porto.
O objetivo deste estudo caso-controlo retrospetivo, numa coorte de grávidas submetidas a rastreio combinado do primeiro trimestre (algoritmo da Fetal Medicine Foundation), foi comparar a eficácia clínica do rastreio de pré-eclâmpsia (PE), leves para a idade gestacional (LIG) e trissomia 21 (T21), usando a história clínica materna, a pressão arterial, o Doppler das artérias uterinas e o PAPP-A ou o PlGF.
O PAPP-A foi doseado em 1094 grávidas (82 com PE, 111 com LIG, 53 com PE e LIG e 94 com fetos T21). O PlGF foi doseado retrospetivamente (soro congelado) em 1066/1094 grávidas – o PlGF sérico mediano em MoMs foi significativamente inferior em gestações com PE (1.0 (interquartile range (IQR), 0.8–1.4); P<0.01), LIG (1.0 (IQR, 0.8–1.3); P<0.001) e T21 (0.6 (IQR, 0.5–0.9); P<0.0001) comparativamente com os controlos (1.2 (IQR, 0.9 – 1.5)). Não houve diferença significativa no desempenho do rastreio usando o PAPP-A ou o PlGF, quer para a PE precoce (AUC, 0.78 vs 0.79; P = 0.55) quer para a PE a termo (AUC, 0.74 vs 0.74; P = 0.60); resultados que se mantiveram após correção para o uso de aspirina. De igual modo, não se verificaram diferenças na sensibilidade e especificidade do rastreio para T21 e LIG, usando o PAPP-A vs PlGF. O ponto mais positivo deste estudo é que avaliou a performance do rastreio de PE do 1º trimestre na prática clínica de rotina de um hospital público, em que a profilaxia com aspirina é decidida com base nos resultados daí decorrentes. Esta é também a principal limitação – análise retrospetiva aninhada numa coorte de grávidas de risco (maior prevalência de PE, LIG e T21), influenciando os valores preditivos dos testes aplicados. Esta limitação foi mitigada pelo cálculo da sensibilidade e especificidade, não afetados pela prevalência da doença.
Assim, o rastreio combinado do primeiro trimestre para pré-eclâmpsia pode ser implementado aproveitando os níveis de PAPP-A disponíveis para o rastreio de aneuploidias, protocolo já em uso na maioria dos hospitais públicos portugueses.
Por Ana Patrícia Domingues | Assistente Hospitalar Graduada de Ginecologia e Obstetrícia – Hospital CUF Descobertas – Lisboa
Perante a crescente utilização dos testes pré-natais não invasivos (cfDNA) no rastreio de aneuploidias e obtenção de ‘não-resultados’ devido a frações fetais baixas (LFF), esta semana o trabalho proposto apresenta a primeira revisão sistemática da literatura sobre a associação entre LFF e resultados obstétricos adversos como doenças hipertensivas da gravidez (HTA gestacional, pré-eclâmpsia, síndrome HELLP), RCIU, PPT e diabetes gestacional (DG), partindo da hipótese que LFF refletem placentas mais pequenas e/ou disfuncionais dada a origem placentária do cfDNA fetal.
Na análise efetuada, 5 publicações preencheram os critérios de inclusão, tendo sido encontrada associação entre LFF e doenças hipertensivas da gravidez em quatro dos estudos (9,8vs1,5%;p<0,0001; 20vs10%;p<0,001; 59,1vs26,4%;p=0,001; OR 2,16[1,21-3,86] p=0,009; OR 2,06[1,07-3,98] p=0,031). São também descritos aumentos significativos de peso ao nascer <P5 (6,9vs3,2%;p=0,04) e <2500gr (OR 2,50[1,01-6,17];p=0,047), bem como aumento significativo de PPT (40,9vs15,6%;p=0,002; OR 3,09[1,21-7,92];p=0,018). Quanto à DG, os resultados foram inconclusivos apenas com associação verificada num estudo (20vs7,5%;p<0,001).
Entre as limitações do estudo, que restringem a generalização destes resultados, apontamos o número limitado de publicações existentes e o tamanho relativamente pequeno das amostras desses estudos, verificando-se considerável heterogeneidade no desenho dos mesmos, nas populações, nas plataformas moleculares usadas e na definição dos resultados da gravidez.
Os autores concluem que, além das aneuploidias, uma LFF pode estar associada a resultados obstétricos adversos como doenças hipertensivas da gravidez, PPT e RCIU. Uma LFF, por si só, terá um valor preditivo insatisfatório, mas poderá ser uma opção a adicionar futuramente aos modelos de estratificação de risco existentes de forma a melhor identificar, numa idade gestacional precoce, as gestações em risco.
Apesar das limitações e da necessidade de estudos mais alargados que suportem estas associações, este trabalho enfatiza a premência de um olhar mais atento e abrangente, para além das aneuploidias, nas gestações com LFF em testes de cfDNA.
Por Bárbara Carvalho Ribeiro | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga
A hemorragia pós-parto é uma complicação da gravidez potencialmente fatal, associada a uma morbilidade e mortalidade importantes e que necessita de identificação precoce e tratamento célere. A oxitocina é recomendada na prevenção da hemorragia pós-parto, como agente uterotónico de primeira linha.
O ácido tranexâmico é um agente anti fibrinolítico que inibe a interação plasmina-fibrina e estabiliza a matriz de fibrina. O papel do ácido tranexâmico encontra-se bem estabelecido no tratamento da hemorragia pós-parto, diminuindo a mortalidade e queda de hemoglobina, com melhores resultados quanto mais precoce a sua administração, o que sugere um papel profilático, já demonstrado em alguns estudos.
O objetivo da presente meta-análise foi demonstrar a eficácia do ácido tranexâmico na prevenção da hemorragia pós-parto quando comparado com o uso isolado de uterotónicos profiláticos em mulheres submetidas a cesariana. Foram incluídos 36 estudos, num total de 10659 mulheres, todas submetidas a cesariana e já sob uterotónicos profiláticos utilizados de forma standard. Foi comparada a administração de ácido tranexâmico com placebo. Só foram incluídos estudos randomizados.
A meta-análise demonstrou que a administração do ácido tranexâmico se associou a uma diminuição significativa da perda hemática pós-parto, menor perda de sangue superior a 1000ml, menor necessidade de transfusão de hemoderivados e de utilização de uterotónicos adicionais. Dados preliminares sugerem não haver um aumento de eventos trombo-embólicos.
Como pontos fortes deste artigo destaca-se a dimensão amostral, a aplicação rigorosa de critérios de inclusão e homogeneidade entre os estudos selecionados. Esta meta-análise reforça a evidência dos benefícios clínicos do ácido tranexâmico não só no tratamento, mas também na prevenção da hemorragia pós-parto.
Concluindo, esta meta-análise sugere que a administração de ácido tranexâmico profilático em mulheres submetidas a cesariana reduz a hemorragia pós-parto de forma significativa.
Por Inês Rato | Assistente Hospitalar de Ginecologia- Obstetrícia, Centro Hospitalar do Oeste – Hospital de Caldas da Rainha
Este trabalho pretende simular um estudo controlado e aleatorizado (RCTs) para investigar o papel da episiotomia na redução da prevalência de lesões obstétricas do esfíncter anal (OASIS), em nulíparas com parto com aplicação de ventosa.
As OASIS são complicações do parto vaginal e uma das principais causas de incontinência fecal feminina, bem como de dispareunia e dor perineal. O parto vaginal instrumentado é reconhecido como um dos principais fatores de risco para ocorrência de OASIS. A prevalência de OASIS em nulíparas é de 0.1-5% dos partos espontâneos e em 1.5-28.1% dos partos com ventosa (PV). A realização de episiotomia lateral ou medio-lateral mostrou em estudos observacionais reduzir a taxa de OASIS nos PV de mulheres nulíparas, sendo um procedimento recomendado. Tema este na linha do dia quando tanto se fala de “violência obstétrica”.
Numa amostra selecionada de 63654 mulheres nulíparas com partos por ventosa, a prevalência de OASIS foi de 15.02% sem episiotomia e 12.32% com episiotomia. Para prevenir uma OASIS foi necessário realizar 27 episiotomias. Este estudo confirmou resultados de publicações anteriores: a episiotomia lateral ou medio-lateral é protetora de OASIS em PV de nulíparas.
Como ponto forte destaca-se a utilização da base de dados “Swedish Medical Birth Register”, contornando dificuldades na realização de RCTs nesta matéria (viés de seleção, elevado número de casos para poder de amostragem; dificuldade na adesão à episiotomia planeada). Como pontos fracos destacam-se a impossibilidade de aferir outros fatores que podem subestimar a validade da episiotomia: técnica utilizada (incisão, tamanho, ângulo), experiência do executante e indicação percecionada para episiotomia.
O próximo passo na investigação será a identificação de fatores de risco para OASIs usando modelos preditivos obtidos de bases de dados nacionais, bem como o estudo de resultados a longo prazo.
Por Ana Teresa Martins | Assistente Hospitalar Graduada de Obstetrícia Ginecologia / Centro de Diagnóstico Pré-Natal e Terapia Fetal / Maternidade Dr. Alfredo da Costa/ CHULC
A pandemia de COVID 19 veio modificar os padrões epidemiológicos dos países desenvolvidos. Esta nova realidade associada ao envelhecimento da população e à disseminação de condições crónicas (fatos transversais à população obstétrica) obriga a uma mudança no paradigma do desempenho clínico sobretudo em países de acolhimento como o nosso, designadamente comunidades imigrantes dos PALOP e refugiados acolhidos por razões humanitárias ou económicas.
O objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre características clínicas e determinantes sociais com a mortalidade e morbidade grave relacionadas à infeção por SARS-cov-2 nas grávidas. Nesse sentido foram incluídas as mulheres grávidas com RT-qPCR positivo do Registro Nacional Mexicano de Coronavírus, estudo de coorte prospetivo em curso a nível nacional. O desfecho primário foi morte por COVID-19. Os desfechos secundários foram pneumonia, intubação e admissão nas unidades de cuidados intensivos. A associação entre comorbidades e características sociodemográficas com cada desfecho adverso foi explorada por um modelo de regressão log-binomial ajustado por possíveis confundidores.
Os autores constataram 176 (1,35%) mortes maternas entre 13.062 grávidas recrutadas. Incidência de morte semelhante (1,3%) ao estudo multicêntrico recente de A. Khalil com coorte de 793 grávidas. Zambrano, descreveu uma mortalidade de 0,14% em gestantes sintomáticas com infeção por SARS-CoV-2, no entanto o mesmo autor mostrou que grávidas latino-americanas que vivem nos Estados Unidos e pertencem a um grupo minoritário vulnerável, têm um maior risco de mortalidade relacionada ao COVID-19.
Pontos fracos: a omissão dos desfechos perinatais. Pontos fortes: a dimensão da amostra e ter confirmado que idade materna avançada, diabetes, hipertensão, obesidade, vulnerabilidade social e baixo nível socioeconômico são fatores de risco de mortalidade.
Conclui-se da relevância da clínica ao ter em conta o caracter heterogéneo da composição atual da sociedade portuguesa e sua vulnerabilidade como alavanca das decisões políticas em regras sanitárias e otimização dos recursos escassos do SNS.
Por Mónica Centeno | Assistente Graduada de Obstetrícia/Ginecologia, CHULN-Hospital de Santa Maria / Assistente convidada de Obstetrícia da FMUL
Nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento do número de gestações múltiplas. Uma percentagem significativa das cesarianas realizadas nesta população tem como indicação a distócia de progressão/trabalho de parto estacionário.
Este trabalho teve por objetivo estabelecer um partograma em gestações gemelares que refletisse a progressão normal do trabalho de parto e curvas customizadas para diferentes sub-grupos nestas gestações.
Trata-se de um estudo multicêntrico retrospetivo realizado em Israel entre 2003 e 2017. Incluiu 1375 gestações gemelares com mais de 34 semanas e em que o primeiro feto era cefálico (grupo de estudo) e 142 659 gestações de feto único cefálico (grupo de controlo).
Os resultados mostram que nas gestações gemelares, o percentil 95: da duração da fase ativa é superior (9.89 h vs 6.88 h, p<0.001), o ritmo de progressão durante a fase ativa é inferior (0.51 cm/h vs 0.73 cm/h, p<0.001) e a duração do segundo estadio do trabalho de parto é superior (3.04 vs 2.83, p<0.002). Verificou-se também que a analgesia epidural diminui a velocidade de progressão do trabalho de parto nas gestações múltiplas.
O conhecimento de que a progressão do trabalho de parto nas gestações múltiplas é mais lenta e a implementação de curvas adaptadas na prática clínica, tem o potencial de diminuir a taxa de cesarianas nesta população.
Por Luísa Pinto | Assistente hospitalar graduada de Obstetrícia e Ginecologia, Hospital de. Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
A infeção congénita por citomegalovírus (CMV) constitui a principal causa de surdez neurossensorial congénita não genética e contribui de forma relevante para a paralisia cerebral e para outras alterações do neurodesenvolvimento infantil. Estas complicações resumem-se às infeções ocorridas em periconceção ou no 1º trimestre.
Tem sido consensual que o rastreio sistemático desta infeção na gravidez não se justifica, por não existir uma intervenção comprovadamente eficaz na redução da taxa de transmissão vertical.
Este estudo caso-controlo pretendeu avaliar a eficácia e inocuidade do valaciclovir (4g 2x/d) na prevenção secundária da infeção congénita por CMV em grávidas com infeção materna primária ocorrida antes das 14 semanas, num centro que oferece rastreio sistemático desta infeção no 1º trimestre. O diagnóstico de infeção fetal foi efetuado por pesquisa do vírus no líquido amniótico.
Foram incluídas 65 grávidas em cada grupo, emparelhadas de acordo com o momento da infeção (periconceção ou 1º trimestre) e com a idade gestacional à data da amniocentese. A taxa de infeção fetal foi menor no grupo tratado (8/65 – 12%) comparativamente aos controlos (19/65 – 29%). Após regressão logística para o momento da infeção e idade gestacional aquando da amniocentese, a diminuição da transmissão vertical manteve-se (OR: 0.318 [0.12-0.841], p=0.021). Ocorreu um caso de insuficiência renal aguda que regrediu espontaneamente.
Este estudo confirma os resultados de um estudo aleatorizado e controlado recente (Shahar-Nissan K, Lancet 2020) que mostrou uma redução da transmissão vertical em grávidas tratadas com altas doses de valaciclovir (8g/d) após infeção materna primária no 1º trimestre (p=0.027; OR 0.29, 95% CI 0.09–0.90). Ambos trabalhos demonstram a eficácia, aceitabilidade e tolerância da terapêutica com valaciclovir na prevenção secundária da infeção congénita por CMV e constituem um contributo importante a favor da implementação de uma política de rastreio universal na gravidez.
Por Joana Barros | Assistente Hospital de Obstetrícia e Ginecologia – Serviço de Obstetrícia / Hospital Santa Maria – CHLN
O diagnóstico preciso da variedade, posição e estadio da apresentação fetal é fundamental no processo de decisão da via de parto, nomeadamente para discernir quais as situações em que se deve realizar uma cesariana ou uma tentativa de parto instrumentado.
Esta revisão sistemática teve como objetivo avaliar o impacto da ecografia intraparto nos desfechos maternos e neonatais em mulheres submetidas a parto instrumentado.
Foram incluídos 5 estudos aleatorizados que compararam os desfechos do parto instrumentado num grupo de mulheres submetidas a ecografia intraparto (728 casos) vs avaliação de rotina (736 casos). Os desfechos primários foram a tentativa falhada de parto instrumentado seguida de parto por cesariana e o parto sequencial (aplicação de fórceps após tentativa falhada de parto por ventosa), e não se verificaram diferenças entre os dois grupos. No grupo submetido a ecografia intraparto, o risco de diagnóstico incorreto da variedade e posição da apresentação fetal foi menor.
Como pontos fortes deste estudo a revisão cuidada da literatura e inclusão de uma grande variedade de desfechos clinicamente relevantes, bem como o equilíbrio entre os dois braços do estudo no que respeita às principais características obstétricas. Como aspetos negativos, importa referir que a maioria dos estudos incluídos não atingiram o tamanho de amostra necessário, além de que não foi realizada a estratificação de acordo com o tipo de parto instrumentado, a sua indicação, a experiência do operador ou estadio da apresentação fetal, fatores que podem influenciar o sucesso desta intervenção.
À semelhança dos estudos anteriormente publicados sobre este tema, esta revisão sistemática continua a não ser capaz de evidenciar os benefícios da ecografia intraparto no que diz respeito a melhores desfechos maternos e neonatais, ainda que seja evidente a melhoria no diagnóstico da variedade e posição da apresentação fetal. É possível que estes benefícios se restrinjam apenas a um grupo limitado de mulheres, mas será necessário que estudos futuros nos esclareçam a este respeito.
Por Neusa Teixeira | Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de Braga
A hidrópsia fetal não imune (HFNI) afeta 1 em 1700 gestações e associa-se a elevada morbi-mortalidade perinatal. As aneuploidias explicam cerca de 25% dos casos e o array aumenta o diagnóstico em 6-14%. Contudo, mais de 50% não tem diagnóstico definitivo (provavelmente, alterações monogénicas).
Os autores procuraram determinar o benefício diagnóstico associado à aplicação de técnicas de sequenciação do exoma, ao invés do array ou cariótipo, perante o diagnóstico pré-natal de HFNI.
Foi realizado um estudo coorte prospetivo que incluiu 28 casos de HFNI, nos quais foi realizado exoma trio, após array/cariótipo sem alterações. Adicionalmente, foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre o tema.
O estudo prospetivo revelou capacidade diagnóstica adicional do exoma em 25,0%(7/28) dos casos de HFNI, em 21,4%(3/14) na HFNI isolada e em 28,6%(4/14) dos casos com anomalias estruturais associadas. A meta-análise incluiu 21 estudos(n=306) e a sua análise revelou aumento diagnóstico em 29,0% dos casos de HFNI, em 21,0% na HFNI isolada e em 39% dos casos com anomalias estruturais associadas. As alterações genéticas identificadas mais frequentemente foram as rasopatias (30,3%-27/89).
Os autores demonstraram benefício significativo na sequenciação do exoma na HFNI não esclarecida, após realização das técnicas convencionais. O papel do QF-PCR ou cariótipo é importante, atendendo à incidência de aneuploidias, contudo, o valor adicional do array é limitado, levantando a possibilidade, futuramente, que o exoma seja considerado teste de segunda linha, após QF-PCR. De sublinhar, os resultados concordantes entre o estudo coorte e a meta-análise.
Como pontos fortes temos a robustez metodológica e apesar da amostra ser pequena (ponto fraco), esta revisão sistemática representa a maior revisão dos casos de HFNI.
Em suma, a aplicação pré-natal da sequenciação de nova geração deve ser considerada na investigação da HFNI, uma vez que o estabelecimento do diagnóstico etiológico é crucial para o aconselhamento dos casais.